Emergências Clínicas - Dengue na Sala de Urgência

Área: Unidade de Emergência / Subárea: Clínica Médica

Pedro Paes Leme Gonçalves. Médico assistente da Divisão de Emergências Clínicas do Departamento de Clínica Médica da FMRP- USP.
Prof. Dr. Benedito Antônio Lopes da Fonseca. Docente da Divisão de Moléstias Infecciosas do Departamento de Clínica Médica da FMRP-USP

Data da última alteração: terça, 06 de dezembro de 2022
Data de validade da versão: sexta, 06 de dezembro de 2024

A Dengue é uma arbovirose , possui quatro sorotipos distintos: DENV-1, DENV-2, DENV-3, DENV-4 em circulação no Brasil, podendo ocorrer a circulação de 2 ou mais sorotipos distintos concomitantemente.
A infecção por um sorotipo leva a imunidade permanente a este sorotipo apenas, porém pode, na eventualidade de uma nova infecção por outro sorotipo, levar à formação de imunocomplexos e ativação do complemento resultando em manifestações clínicas graves e maior predisposição a eventos hemorrágicos.

EPIDEMIOLOGIA
O maior número de casos de dengue ocorre nos meses chuvosos (maior proliferação do vetor), de janeiro a junho com o pico em março e abril. Neste período sempre devemos excluir dengue em pacientes com síndrome febril e sintomas compatíveis, não sendo necessário solicitar exames confirmatórios de dengue em todos os casos. Questionar sobre dados epidemiológicos sobre região de habitação, viagens recentes, casos de dengue nas proximidades e condições de moradia é de muita utilidade na prática clínica. A dengue é uma doença de notificação compulsória de casos suspeitos e confirmados.
TRANSMISSÃO
A transmissão dá-se através da picada da fêmea do mosquito Aedes aegypti (gênero mais frequente nas Américas), sendo o homem o único reservatório a participar do ciclo da doença.
O mosquito torna-se infectante de 5 a 8 dias após picar uma pessoa com viremia. Não há relatos de transmissão pessoa-pessoa.

QUADRO CLÍNICO
A dengue manifesta-se de diversas formas clínicas, desde um quadro assintomático, passando por uma síndrome febril leve e até a forma hemorrágica e choque circulatório. O período de incubação varia de 3 a 10 dias.
A forma clássica é caracterizada por febre alta de início súbito (1º sintoma), acompanhada de cefaleia, dor retrorbitária, mialgia, artralgia e adinamia, também podem estar presentes náuseas, vômitos e diarréia de pequena monta. Importante ressaltar que o paciente pode apresentar formas graves da doenças e os sintomas hemorrágicos podem estar presentes mesmo na dengue clássica e não preenchendo critérios para dengue hemorrágica. O exantema clássico, surge em aproximadamente metade dos casos, e é do tipo maculo-papular, acometendo face, tronco e membros gradualmente, não poupa plantas dos pés e mãos, porém pode apresentar-se sob outras formas, com ou sem prurido, predominantemente no desaparecimento da febre.
As formas mais graves podem podem evoluir com miocardite, meningoencefalite e pneumonia levando a SARA.
Atentar para as comorbidades (hepatopatia, diabetes, HAS, etc), pois podem facilitar o aparecimento das formas graves.

SINAIS DE ALARME : vide tabela 1

PROVA DO LAÇO ( PL)
Apesar de não ser específica, a PL é uma ferramenta utilizada na prática médica para estratificar pacientes com maior probabilidade de evoluir para formas graves .
Técnica de realização da prova do laço: aferir a PA conforme a técnica semiológica correta, anotar o valor obtido; desenhar um quadrado de 2,5x2,5 cm na fossa antecubital e insuflar o manguito no valor médio da pressão medida anteriormente ( p. ex. PA= 120x80, 120+80=200 200/2=100) e manter por 5 minutos em adultos e 3 em crianças. Contar o número de petéquias presentes no quadrado. A prova é positiva quando temos > 20 petéquias no adulto ou 10 na criança.

DIAGNÓSTICO CONFIRMATÓRIO
Nos primeiros dias da infecção podemos identificar o vírus da dengue no sangue através da detecção do antígeno NS1 ou do RNA pelo RT-PCR. Após o 6º dia de início dos sintomas já podemos identificar anticorpos (IgM) através do método ELISA.
O teste rápido (NS1) é um exame muito específico para dengue e seu resultado positivo confirma o diagnóstico.

DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
A dengue pode evoluir com uma apresentação semelhante à diversas síndromes clínicas, tais como: síndromes febris (enteroviroses, influenza, hepatites virais, malaria, febre tifoide, chikungunya e oropouche); síndromes exantemáticas febris (rubéola, sarampo, escarlatina, eritema infeccioso, exantema súbito, mononucleose infecciosa, citomegalovirose, zika); síndromes hemorrágicas febris

ESTRATIFICAÇÃO CLÍNICA E TRATAMENTO

O paciente pertencerá a um dos 4 grupos abaixo :

GRUPO 1 : Febre ( até 7 dias ) , sintomas e história epidemiológica compatível , sem sinais de alarme , PL – . Conduta: Solicitar hemograma : Caso não houver hemoconcentração ( HT > 44% em mulheres e > 50% em homens ) acompanhamento ambulatorial , hidratação oral ; solicitar teste para Dengue somente em caso de dúvida diagnóstica . Se exames revelarem hemoconcentração realizar hidratação endovenosa e reavaliar HT em 6 horas , se normalizar manter hidratação oral e seguimento ambulatorial diário , se mantiver hemoconcentração ou apresentar sinais de alarme indicar internação

GRUPO 2 : Febre ( até 7 dias) , sintomas e história epidemiológica compatível , sem sinais de alarme . PL + ou sangramento discreto espontâneos de mucosa/pele ou comorbidades clínicas importantes . Conduta : Solicitar hemograma e demais exames laboratoriais , iniciar hidratação oral . Se exames revelarem hemoconcentração realizar hidratação endovenosa e reavaliar HT em 6 horas , se normalizar manter hidratação oral e seguimento ambulatorial diário , se mantiver hemoconcentração ou apresentar sinais de alarme indicar internação

GRUPO 3 : Febre ( até 7 dias) , sintomas e história epidemiológica compatível , apresentando sinais de alarme . Eventos hemorrágicos podem estar presentes ou ausentes , assim com a PL pode ser + ou - . Conduta : Internação , solicitar exames laboratoriais , puncionar acesso venoso calibroso e iniciar expansão volêmica 40 ml/kg em 2 horas . Reavaliar o paciente dando ênfase a parâmetros hemodinâmico e queda do HT ( se estiver elevado )

GRUPO 4 : Febre ( até 7 dias) , sintomas e história epidemiológica compatível , apresentando choque circulatório , desconforto respiratório ou disfunção de múltiplos órgãos Eventos hemorrágicos podem estar presentes ou ausentes , assim com a PL pode ser + ou - . Conduta : Internação, monitorização contínua , solicitar exames laboratoriais ( incluir CK-MB , troponina e coagulograma) , eletrocardiograma , radiografia de tórax . Iniciar expansão volêmica sempre avaliando parâmetros hemodinâmicos e ausculta pulmonar , se houver congestão suspender infusão volêmica e , se necessário , iniciar drogas vasoativas ( considerar miocardite e insuficiência cardíaca aguda ) , corrigir coagulopatias e dar suporte ventilatório .

1. Manual de vigilância epidemiológica – Dengue – Ministério da Saúde ( www.saude.gov.br)
Siqueira JB, Martelli CMT, Coelho GE, et al. Dengue and dengue hemorrhagic fever , Brazil , 1981-2002. Emerging Infectious Diseases 2005 ; 11: 48-53

Tabela 1: Tabela 1. Sinais de alarme na dengue


Tabela 1. Sinais de alarme na dengue

Fluxograma 1: Fluxograma 1. Proposta para o tratamento dos pacientes com dengue


Fluxograma 1. Proposta para o tratamento dos pacientes com dengue