Cuidados Paliativos - Sedação Paliativa

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Disponibilizar recomendações quando considerada sedação paliativa, para manejo de sofrimento intolerável secundário a sintomas refratários, em ambiente e tempo adequados.

Grupo de Cuidados Paliativos - Campus, HCFMRP-USP
Unidade de Emergência, HCFMRP-USP
Hospital Estadual de Ribeirão Preto - HERP

Data da última alteração: quarta, 04 de novembro de 2020
Data de validade da versão: sexta, 04 de novembro de 2022

CONCEITOS

1. Sedação paliativa: é definida pelo uso de medicações sedativas para manejo do sofrimento secundário a sintomas refratários e intoleráveis, por meio da redução do nível de consciência.
2. Sintomas refratários: sintomas físicos, psicossociais ou existenciais não controlados, apesar dos extensos esforços terapêuticos, que apresentam efeito intolerável ao paciente, ou quando o tempo necessário para a terapêutica produzir efeitos é incompatível com o prognóstico.
3. Níveis de sedação: leve, moderada e profunda.
4. Duração de sedação: intermitente ou contínua.

A sedação paliativa é prática médica cuja intenção é, exclusivamente, o manejo do sofrimento secundário a sintomas refratários, diferentemente da eutanásia, cuja intenção é a morte para aliviar sofrimento. Diversos autores têm demonstrado que a sedação paliativa não reduz a sobrevida, se corretamente indicada.

VALIDADE ÉTICA

Resolução CFM Nº 1.805/2006 (Publicada no D.O.U., 28 nov. 2006, Seção I, pg. 169):
"Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal".

Código de Ética Médica: Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018, modificada pelas Resoluções nº 2.222/2018 e 2.226/2019:
Capítulo I, item XXII - Princípios fundamentais: "Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados".
Capítulo V, Art. 41 - É vedado ao médico: "Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal".
Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.

INDICAÇÕES

Principais sintomas refratários com indicação de sedação paliativa, frente ao sofrimento observado e/ou referido pelo paciente/família:
• Delirium hiperativo com agitação psicomotora não controlada;
• Dispneia intratável e progressiva;
• Convulsão refratária;
• Dor intolerável e intratável;
• Secreção brônquica copiosa e refratária;
• Sangramentos não controlados;
• Náuseas e vômitos intratáveis;
• Aflição/angústia existencial (1,2) ou psicossocial (2) que compromete gravemente o conforto (Obrigatória a avaliação de diferentes dimensões do sofrimento, com avaliação multiprofissional da equipe de origem e da equipe de cuidados paliativos);
• Outras condições refratárias.

1. Definido por perda de sentido e propósito na vida (ex.: sentimento de vazio), desespero e dúvidas do que ocorrerá após a morte, sensação de rompimento da identidade, solidão profunda e isolamento, busca de respostas a perguntas relacionadas ao sentido maior da vida e conflitos com Deus/Ser Superior.
2. A sedação por sofrimento psicossocial e existencial ainda é controversa na literatura e na prática clínica devido sua natureza dinâmica e complexa, que pode indicar ocorrência de uma fase de enfrentamento comum ao processo do contexto paliativo. Por isso, é necessária avaliação dos profissionais citados, que estão treinados para lidar com a natureza deste tipo de sofrimento e oferecer intervenções específicas, que irão definir se realmente tal sofrimento seria refratário e necessitaria de sedação.

CURSO DE AÇÃO

Quando considerada sedação paliativa, preferencialmente, consultar o Grupo de Cuidados Paliativos.

O prescritor deve conversar sobre a sedação paliativa com o paciente, sempre que possível, assim como com a família/responsável legal:
• Informar prognóstico;
• Informar natureza e objetivo da sedação paliativa (medida de conforto, com redução do nível de consciência), incluindo estimativa de tempo de sedação;
• Esclarecer possibilidade de suspensão da sedação paliativa, caso desejado.

É de fundamental importância que a evolução médica seja devidamente preenchida com as seguintes informações:
• Condição clínica do paciente no momento da indicação da sedação paliativa;
• Todos os tratamentos realizados anteriormente;
• Critérios utilizados para indicação;
• Metas de cuidados discutidas pelas equipes;
• Anotar a conversa com paciente/família/responsável legal e registrar que houve explicação, esclarecimento de dúvidas, confirmação do entendimento do prognóstico do paciente e dos objetivos da sedação paliativa;
• Concordância do paciente e/ou família/representante legal;
• Anotar a medicação que será utilizada, incluindo concentração, via de administração e dose;
• Anotar qualquer alteração na dose da medicação sedativa ou adição de outra medicação, explicando os motivos para tal conduta.

- Orientar a equipe multiprofissional envolvida nos cuidados do paciente quanto à condição clínica do mesmo e ao objetivo da sedação paliativa.
- Manter na prescrição médica as medicações para controle de dor, outros sintomas e demais medidas para conforto do paciente.
- Manter higienização, cuidados com a boca, manejo de secreções, mobilização no leito, cuidado com feridas, monitorização de lesão por pressão, avaliação do trânsito intestinal e esvaziamento vesical.
- Avaliar possibilidade de suspensão da monitorização de pressão arterial, frequência cardíaca, temperatura, glicosimetria, etc.
- Suspender medicações via oral.
- Confirmar necessidade das medicações já prescritas e adequar via de administração.
- Promover ambiente confortável para paciente e família (redução de ruídos, respeito da privacidade, entre outros).
- Disponibilizar suporte psicossocial e espiritual para a família (psicólogo, terapeuta ocupacional, capelão e terapias complementares).
- Esclarecer a família quanto à possibilidade de estar com o paciente, falar com ele e tocá-lo gentilmente.
- Informar familiares quanto ao possível acúmulo de secreção nasofaríngea, respiração ruidosa, cianose periférica e redução do volume urinário.

MEDICAÇÕES (Figura 1):
● Benzodiazepínico (midazolam) - Principal medicação utilizada para sedação paliativa
● Neuroléptico (clorpromazina, levomepromazina)
● Barbitúrico (fenobarbital)
● Anestésico (propofol, ketamina)
Via preferencial: subcutânea (SC) * / intravenosa (IV)
*Consultar protocolo de Hipodermóclise, disponível via intranet HCFMRP-USP (download/DAS-Protocolo de Hipodermóclise)

Recomendações
• Opioides não devem ser utilizados com objetivo de sedação paliativa. Caso paciente faça uso de opioide para manejo de dor ou dispneia, o mesmo deve ser mantido.
• Na presença de agitação paradoxal ou taquifilaxia com uso de benzodiazepínico, avaliar substituir medicação ou associação com outras drogas, como neuroléptico.
• Na presença de delirium como sintoma predominante, considerar uso de neuroléptico para sedação paliativa, se disponível.

PREPARAÇÃO DE MIDAZOLAM
1. Obtenha a preparação para a infusão contínua: SG5% ou SF0,9% - 80ml + 2 ampolas de midazolam 50mg/10ml (concentração=1mg/ml).
2. Obtenha a bomba para infusão e material necessário para infusão contínua.
3. Caso utilize a via subcutânea, recomenda-se a punção de novo sítio.
4. Prepare ampola com midazolam 15mg/3ml + SF0,9% 12ml (concentração=1mg/ml) para dose de indução e resgate, se necessário.

INFUSÃO DE MIDAZOLAM
1. O médico prescritor deve estar a beira-leito no início da sedação paliativa.
2. Caso haja necessidade de início rápido da sedação, utilizar dose de indução de 2,5 a 5mg de midazolam, intravenoso, lento.
3. Iniciar infusão contínua a 1ml/h (1mg/h). Titular dose, com aumento de 1mg a cada 15 minutos, até atingir o conforto do paciente. Manter esta dose em bomba de infusão contínua. Caso necessário, pode ser administrado 2,5 a 5mg para resgate com intervalo de 30 minutos.
4. Alcançado conforto do paciente, o mesmo deverá ser reavaliado pelo médico a cada 8 horas, ou antes se necessário.
5. A avaliação da equipe de enfermagem deverá priorizar a identificação de sinais de desconforto, comunicando a equipe médica na presença destes.

MONITORIZAÇÃO DA SEDAÇÃO PALIATIVA
Grau de sedação:
- O conforto do paciente pode ser obtido com graus mais leves de sedação, sempre considerando que a melhor forma de avaliação do sofrimento é o auto-relato do paciente, quando possível. Para avaliar o grau de sedação, sugere-se a utilização da escala de "Richmond Agitation-Sedation Scale" (RASS) com escore variando de +4 a -5 (Figura 2).
- Quando necessária sedação paliativa profunda e contínua, deseja-se RASS entre -3 (sedação moderada) a -4 (sedação profunda), a depender de cada caso.
- Para avaliação de dor, sugere-se a escala "Critical-Care Pain Observation Tool" (Figura 3) ou “Behavioral Pain Scale” (BPS) (Figura 4).
- Para avaliação de dispneia, recomenda-se a escala "Respiratory Distress Observation Scale" (RDOS) (Figura 5), com escore desejado ≤ 3.

NUTRIÇÃO E HIDRATAÇÃO
- Nutrição e hidratação devem ser discutidos em separado do tópico sedação. No final de vida, não há conclusão definitiva na literatura de que a nutrição e a hidratação sejam benéficas ou danosas. Sabe-se que não aumentam a sobrevida e podem causar desconfortos, como: edema peritumoral, gatilho para dor, piora de ascite, de derrame pleural e aumento de secreções (salivar, brônquica, gastrointestinal).
- Sugere-se ponderar a redução ou mesmo suspensão de nutrição e hidratação, de acordo com prognóstico e valores do paciente e família.


CUIDADOS COM A EQUIPE DE SAÚDE
- A equipe de saúde pode sentir desconforto durante a administração da sedação paliativa. Por isso, é de extrema importância que todos os envolvidos nos cuidados com o paciente recebam treinamento para que tenham entendimento de todos os aspectos envolvidos na sedação paliativa (ético, familiar, social, físico, psicológico e espiritual).
- Sempre que possível, estimular o encontro da equipe de saúde envolvida nos cuidados após o óbito do paciente para que seja ouvida e possa falar a respeito de dúvidas, desconfortos, emoções, crenças espirituais e assim reduzir tensões e fortalecer o grupo que presta cuidados.

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Figura 1: Figura 1: Medicamentos, dose inicial e dose média efetiva para sedação paliativa.


Figura 1: Medicamentos, dose inicial e dose média efetiva para sedação paliativa.

Figura 2: Figura 2: Richmond agitation-sedation scale (RASS)


Figura 2: Richmond agitation-sedation scale (RASS)

Figura 3: Figura 3: Critical-Care Pain Observation Tool (tradução livre)


Figura 3: Critical-Care Pain Observation Tool (tradução livre)

Figura 4: Figura 4: Behavioral Pain Scale


Figura 4: Behavioral Pain Scale

Figura 5: Figura 5: Respiratory Distress Observation Scale (RDOS)


Figura 5: Respiratory Distress Observation Scale (RDOS)