Emergências Cínicas - Síndrome Hepatorrenal associada à Injúria Renal Aguda

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Este protocolo tem como objetivo padronizar condutas no atendimento de pacientes cirróticos com síndrome hepatorrenal atendidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP (HC Campus e Unidade de Emergência), fundamentadas em guidelines vigentes e de acordo com as recomendações de medicina baseada em evidências.

Divisões de Nefrologia / Gastroenterologia / Grupo de Transplante de Fígado do HCFMRP-USP

Data da última alteração: terça, 01 de outubro de 2024
Data de validade da versão: quinta, 01 de outubro de 2026

A síndrome hepatorrenal associada à injúria renal aguda (Hepatorenal syndrome - Acute kidney injury: HRS-AKI) é uma forma específica de lesão renal que ocorre em pacientes com cirrose avançada e ascite. Sua fisiopatologia envolve um estado de hipoperfusão renal decorrente de vasodilatação esplâncnica, sem resposta à expansão volêmica com cristaloides ou coloides.

1. Primeiro Passo - Definir creatinina basal:
- Considerar o menor valor estável de creatinina dos últimos 3 meses.
- Se não houver dosagem de creatinina no último trimestre, usar o valor mais recente dos últimos 12 meses.
- Em pacientes sem creatinina prévia conhecida, considerar o valor da menor creatinina durante a internação como a provável creatinina basal.

2. Segundo Passo - Diagnóstico de Injúria Renal Aguda (IRA) em pacientes cirróticos, de acordo com os critérios do Clube Internacional de Ascite e do KDIGO:
- Aumento de creatinina sérica ≥ 0,3 mg/dL em 48 horas; ou
- Aumento de creatinina ≥ 50% do valor basal conhecido ou presumido, ocorrido nos 7 dias anteriores; e/ou
- Redução do débito urinário ≤ 0,5 mL/kg/h por um período ≥ 6 horas.

3. Terceiro Passo - Definir o estágio da IRA:
- Estágio 1A (AKI 1A): Aumento de creatinina de ≥ 0,3 mg/dL ou ≥ 1,5x a 2x do valor basal, sendo <1,5 mg/dL.
- Estágio 1B (AKI 1B): Aumento de creatinina de ≥ 0,3 mg/dL ou ≥ 1,5x a 2x do valor basal, sendo ≥1,5 mg/dL.
- Estágio 2 (AKI 2): Aumento de creatinina de 2x a 3x do valor basal.
- Estágio 3 (AKI 3): Aumento de creatinina > 3x do valor basal, ou creatinina ≥ 4,0 mg/dL com aumento mínimo ≥ 0,3 mg/dL, ou início de diálise.

4. Diagnóstico de Síndrome Hepatorrenal associada à Injúria Renal Aguda - Critérios diagnósticos:
- Cirrose com ascite.
- Injúria Renal Aguda pelos critérios ICA/KDIGO.
- Ausência de resposta após suspensão do diurético e expansão com albumina.
> Albumina 1g/kg por dia (dose máxima de 100 g/dia) por 24 horas a 48 horas.
> Albumina humana 20% - 1 frasco = 50 mL = 10 g.
- Sem evidência de outra causa mais provável de IRA.

- Sangue: ureia, creatinina, sódio, potássio, cálcio, hemograma, gasometria venosa, TP, bilirrubina, albumina.
- Urina: urina rotina, sódio urinário (amostra isolada), creatinina urinária (amostra isolada). Certificar-se de que o paciente não está em uso de diuréticos durante a coleta.
- Líquido ascítico: albumina, celularidade e cultura.
- Imagem: ultrassonografia de rins e vias urinárias.
- Fração de excreção de sódio: (Sódio urinário X Creatinina sérica) ÷ (Creatinina urinária X Sódio sérico).

# Tipos de Resposta ao Tratamento
- Não respondedor: Sem regressão do estágio de IRA, com queda de creatinina inferior a 25%.
- Respondedor parcial: Queda da creatinina superior a 25%, mas com nível sérico ≥ 0,3 mg/dL acima do valor basal.
- Resposta completa: Retorno da creatinina até 0,3 mg/dL do valor basal.

# Tratamento com albumina + terlipressina, conforme descrito abaixo:
- D1 – D2:
> Albumina: 20 – 40 g/dia.
> Terlipressina: 1 mg, via endovenosa, em bolus, de 6/6h de 48 a 72 horas.
> Em caso de efeitos adversos, suspender a terlipressina a qualquer momento.

- D3: Reavaliação
> Respondedor → suspender tratamento.
> Respondedor parcial → manter prescrição ou elevar a dose de terlipressina para 2 mg de 6/6h.
> Não respondedor → aumentar terlipressina para 2 mg de 6/6h por mais quatro dias.
> Em caso de efeitos adversos, suspender a terlipressina a qualquer momento.

- D7: Reavaliação
> Ausência de resposta → suspender terlipressina.
> Respondedor parcial (queda de mais de 25% da creatinina) → manter prescrição ou elevar a dose de terlipressina para 2 mg de 6/6h.
> Tempo de tratamento: manter por mais 7 dias (perfazendo tempo total máximo de 14 dias).
> A qualquer momento em que houver resposta completa, suspender tratamento.
> Em caso de efeitos adversos, suspender a terlipressina a qualquer momento.

# Contraindicações para o início de uso da terlipressina:
- Doença coronariana.
- Doença arterial crônica periférica.
- Sinais e sintomas de isquemia em qualquer órgão.
- Hipoxemia.
- ACLF 3 e/ou MELD ≥ 39 (avaliar risco e benefício).

# Em caso das seguintes complicações, deve-se suspender o uso ou reduzir a dose da terlipressina:
- Distúrbios do ritmo cardíaco.
- Isquemia coronariana.
- Isquemia cutânea.
- Isquemia mesentérica.
- Observação: NÃO associar noradrenalina com terlipressina. Em caso de choque com necessidade de noradrenalina, suspender a terlipressina. O ajuste de noradrenalina deve ser voltado apenas para o tratamento do choque.

# Em caso de congestão pulmonar:
- Suspender albumina e manter terlipressina.
- Avaliar indicação de diureticoterapia endovenosa.
- Se houver persistência de congestão pulmonar mesmo após suspensão de albumina, suspender terlipressina.

# Cuidados na admissão do paciente cirrótico com IRA:
- Suspensão de diuréticos (exceto se o paciente apresentar sinais claros de hipervolemia, como turgência jugular, congestão pulmonar e/ou hipertensão);
- Suspensão de AINES e outras drogas nefrotóxicas;
- Avaliar redução ou suspensão da dose do betabloqueador não seletivo, especialmente em pacientes com PAS < 90 mmHg e PAM < 65 mmHg.

# Hemodiálise
- Considerar diálise nas indicações clássicas e nos casos de pacientes não respondedores à terapia com terlipressina.
- Em casos de indicação de hemodiálise na admissão, individualizar indicação de tratamento associado com terlipressina (desde que não haja outras contraindicações).
- Individualizar a indicação de hemodiálise em pacientes não elegíveis a transplante hepático, visto que a terapia renal substitutiva pode ser uma medida fútil.

# Transplante Hepático
- Todo paciente com Síndrome Hepatorrenal associada à IRA (HRS-AKI) deve ser encaminhado para avaliação de transplante de fígado.

# Prevenção de IRA
- Em pacientes com diagnóstico de PBE, administrar albumina 1,5 g/kg/dia no D1 e 1,0 g/kg/dia no D3 para prevenção de HRS-AKI.
- Não há recomendação de uso de albumina para prevenção de IRA em pacientes cirróticos com outras infecções além de PBE.
- O uso de albumina em pacientes cirróticos descompensados com o único objetivo de manter albumina sérica > 3,0 g/dL esteve mais associado à congestão pulmonar, sem repercussão na incidência de IRA ou na sobrevida.

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- Nadim MK, Garcia-Tsao G. Acute Kidney Injury in Patients with Cirrhosis. N Engl J Med 2023;388:733-745.
- Kanduri SR, Velez JCQ. Kidney Dysfunction in the Setting of Liver Failure: Core Curriculum 2024. Am J Kidney Dis, 2024.