Emergências Pediátricas - Trauma Cranioencefálico

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• Conceituar trauma cranioencefálico (TCE)
• Delinear o diagnóstico e a classificação do TCE em crianças
• Descrever o tratamento do TCE, dando ênfase especial aos quadros moderados a graves.

Daniele da Silva Jordan Volpe - Médica Assistente do CTI Pediátrico do HCFMRP, Diretora Técnica do CTI-Pediátrico do HC Criança do HCFMRP-USP.
Ana Paula de Carvalho Panzeri Carlotti - Professora Associada do Departamento de Puericultura e Pediatria do HCFMRP-USP, Chefe do CTI-Pediátrico do HCFMRP-USP.

Data da última alteração: segunda, 08 de julho de 2024
Data de validade da versão: quarta, 08 de julho de 2026

Alteração na função encefálica, resultante de contusão ou força penetrante na cabeça, manifestada como confusão mental, déficit neurológico focal (motor ou sensitivo), crises convulsivas ou alteração no nível de consciência, podendo chegar até o coma.

Classificação do TCE:
Baseado na Escala de Coma de Glasgow (ECG) (Tabela 1):
• TCE leve: ECG 15 a 13.
• TCE moderado: ECG 12 a 9.
• TCE grave: ECG menor ou igual a 8.

Indicação de Tomografia de Crânio:
- Indicada em todos os pacientes com TCE moderado ou grave.
- Em crianças com TCE leve, a tomografia computadorizada de crânio deve ser feita se houver pelo menos um dos seguintes fatores de risco de lesão intracraniana:
o Idade menor que 2 anos
o ECG menor que 15
o Sinais focais ou crise convulsiva
o Evidência de fratura de crânio significante (com diástase, afundamento, fratura aberta ou basilar)
o Perda da consciência no momento do trauma
o Vômitos persistentes
o Cefaleia intensa ou refratária
o Mecanismo de trauma grave
o Hematoma em couro cabeludo, exceto em região frontal
o Alteração do comportamento
o Coagulopatia
o Amnésia
OBS: Nos pacientes com TCE leve e indicação de tomografia, colher eletrólitos, coagulograma e Dímeros D pelo risco de coagulopatia e /ou hiponatremia.

Indicação de monitorização da pressão intracraniana (PIC):
- A PIC deve ser monitorizada em todos os pacientes com TCE grave (ECG ≤ 8), independente dos achados da TC de crânio.
Critérios de exclusão:
- Fraturas múltiplas ou com afundamentos extensos (efeito de tamponamento).
- Crianças com ECG 3 após estabilização clínica, sem reflexos de tronco e achados altamente sugestivos de morte encefálica.

Tipos de dispositivos para monitoração da PIC:
• Cateteres intraparenquimatosos ou intraventriculares (vantagem de possibilitar a remoção de líquido cefalorraquidiano, que pode contribuir para o controle da PIC).

TC de crânio (vide acima).

Manejo inicial:
O atendimento inicial na sala de urgência deve seguir o Fluxograma 1.

Medidas terapêuticas gerais:
• Posicionamento da cabeça: Posição neutra com cabeceira do leito elevada a 30 graus para facilitar a ventilação, melhorar a drenagem venosa do segmento cefálico e a reabsorção liquórica.
• Sonda nasogástrica ou orogástrica (na suspeita de fratura de base de crânio) em drenagem.
• Sonda vesical de demora para monitoração rigorosa da diurese.
• Sedação e analgesia:
o Manter infusão EV contínua de midazolam (0,1-0,3 mg/kg/h) e fentanil (1-3 mcg/kg/h), pois a dor e o estresse aumentam o metabolismo cerebral e a pressão intracraniana, favorecendo o dano cerebral secundário. Alternativamente, pode-se utilizar dexmedetomidina (0,2-1 mcg/kg/h) associada ao fentanil (1-3 mcg/kg/h).
o Antes de procedimentos dolorosos e aspiração de cânula endotraqueal administrar bolus adicionais de midazolam (0,1-0,2 mg/kg) e fentanil (1-2 mcg/kg).
• Bloqueio neuromuscular: pode ajudar a controlar a elevação da PIC por promover redução na pressão de vias aéreas e intratorácica, facilitando o retorno venoso cerebral e prevenir tremores e assincronia entre paciente e respirador. As drogas mais utilizadas são:
o Vecurônio: 0,1 mg/kg EV em bolus e 1-10 mcg/kg/min em infusão contínua.
o Rocurônio: 1 mg/kg EV em bolus e 5-10 mcg/kg/min em infusão contínua.
• Manejo hidroeletrolítico:
o O objetivo é minimizar o edema cerebral que ocorre após o trauma, mas com o cuidado de manter a volemia normal, garantindo perfusão tecidual adequada. Deve-se manter a concentração plasmática de Na+ maior ou igual a 140 mEq/L e a glicemia normal (70-110 mg/dL), pois a hiponatremia agrava o edema cerebral, e hipo e hiperglicemia se associam à lesão neuronal.
o Volume do soro de manutenção: inicialmente, administra-se 50-70% do volume calculado pela regra de Holliday-Segar, mas ajustes devem ser feitos de acordo com o balanço hídrico.
o Composição do soro de manutenção: glicose 0-2 g/kg/dia, Na+ 150 mEq/L, K+ 20-40 mEq/L e Ca++ 2 a 4 mL/kg/dia de gluconato de cálcio a 10% (máximo 80 mL/dia), de acordo com as concentrações plasmáticas. Evitar o uso de soluções hipotônicas que podem exacerbar o edema cerebral.
o Tratar hiponatremia agressivamente: se Na+ < 135 mEq/L, fazer correção rápida com salina hipertônica (NaCl 3% 5 mL/kg, em 20-30 minutos) e diurético (furosemida), quando indicado. Em serviços em que não se dispõe de NaCl 3%, deve-se diluir a solução de NaCl 20% 1:7, ou seja, adicionando-se uma parte de NaCl 20% a 6 partes de água destilada, transformando-a em solução a aproximadamente 3%.
• Suporte nutricional: introdução precoce de nutrição enteral, assim que houver estabilidade hemodinâmica e mobilidade adequada do trato gastrintestinal (idealmente, em 24-48 h). Se houver impossibilidade do uso da via enteral após 48 h, iniciar nutrição parenteral.
• Protetor gástrico: omeprazol 1-2 mg/kg/dia, EV.
• Cuidados respiratórios: manter oxigenação e ventilação adequadas, com PaO2 > 70 mm Hg, saturação > 94% e PaCO2 entre 35 e 38 mm Hg.
• Monitoração invasiva da pressão arterial: instalar cateter arterial para monitoração da pressão arterial média (PAM), coleta de exames e cálculo da pressão de perfusão cerebral (PPC = PAM – PIC):
o Manter PPC em torno de 50 mm Hg. Evitar valores de PPC menores que 40 mm Hg.
o Utilizar drogas vasoativas para aumentar a PAM e otimizar a PPC, se necessário:
־ Norepinefrina (0,01-1 mcg/kg/min).
• Controle da temperatura:
o Manter temperatura esofágica entre 36,5 e 37 oC.
o Tratar hipertermia agressivamente com antitérmicos e resfriamento com colchão térmico e bolsas de gelo.
• Anticonvulsivantes: administração profilática de fenitoína aos pacientes com contusão cerebral e hemorragia subaracnóidea.
o Ataque: 20 mg/kg.
o Manutenção: 5 mg/kg/dia.

Tratamento da Hipertensão Intracraniana
• Manter a PIC < 20 mm Hg. As medidas para o controle da PIC incluem:
• Drenagem de líquido cefalorraquidiano se cateter intraventricular instalado para monitoração da PIC.
• Hiperventilação:
o Não fazer hiperventilação profilática.
־ A hiperventilação prolongada é prejudicial, pois causa isquemia cerebral e se associa a aumento da morbi-mortalidade.
o A hiperventilação aguda deve ser utilizada no manejo de emergência da deterioração neurológica aguda, com sinais de herniação e elevações acentuadas da PIC.
• Osmoterapia:
o Solução salina hipertônica (NaCl 3%) 5 mL/kg EV em 20-30 minutos ou 0,1 a 1 mL/kg/h por infusão contínua. Manter osmolaridade plasmática < 360 mOsm/L.
o Manitol 20% 0,25 a 1 g/kg, em 20 minutos. Manter osmolaridade plasmática < 320 mOsm/L.
־ O objetivo é manter normovolemia com hiperosmolaridade. A escolha do agente hiperosmolar (salina hipertônica vs. manitol) deve levar em consideração o estado hemodinâmico do paciente. Na presença de instabilidade cardiovascular, deve-se dar preferência à salina hipertônica, em virtude do efeito diurético do manitol.
• Diurético não osmótico: furosemida associado ao manitol.
• Coma barbitúrico: utilizado em casos de hipertensão intracraniana refratária à terapêutica inicial.
o Iniciar somente se o paciente estiver hemodinamicamente estável.
o Tiopental: ataque de 5 mg/kg em 30 minutos, manutenção de 1-5 mg/kg/h. Desmame gradual após 24 – 48 h do controle da PIC.
• Hipotermia: atualmente, não há evidências que suportem o uso de hipotermia terapêutica em crianças com TCE visando melhor desfecho neurológico. A hipotermia moderada pode ser usada em casos de hipertensão intracraniana refratária às outras medidas de manejo clínico.
• Craniectomia descompressiva:
o Indicada em casos de hipertensão intracraniana refratária ao tratamento clínico.
o Deve ser feita precocemente (de preferência, nas primeiras 24 a 48 h após o trauma).

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Tabela 1: Tabela 1

Escala de Coma de Glasgow modificada para crianças
Tabela 1

Fluxograma 1: Fluxograma 1

Atendimento inicial na sala de urgência
Fluxograma 1