Clínica Médica - Nefrologia - Indicações e formas de administração de rituximabe para o tratamento de síndrome nefrótica

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Estabelecer critérios de indicação e formas de administração de rituximabe para o tratamento de síndrome nefrótica.

Prof. Dr. Marcio Dantas, Dr. Lázaro Bruno Borges da Silva, Dr. Pedro Carlos Assis. Divisão de Nefrologia do HCMFRP-USP

Data da última alteração: terça, 30 de abril de 2024
Data de validade da versão: quinta, 30 de abril de 2026

Síndrome nefrótica (SN) descreve uma condição clínica marcada por proteinúria maciça, hipoalbuminemia, edema, hiperlipidemia e outros fatores associados como desordens na coagulação e injúria renal aguda. Doença de lesões mínimas (DLM), glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF) e nefropatia membranosa (NM) estão entre as principais causas primárias de SN em adultos. Tratamento ótimo para tais desordens é frequentemente desafiador e controverso, em sua grande maioria necessitando de altas doses de imunossupressores, especialmente glicocorticoides, ciclofosfamida e ciclosporina. No entanto, tais regimes terapêuticos possuem limitações inerentes dado que não são eficientes em todos os pacientes, regularmente exibem remissão parcial e não completa, bem como recidivas e estão associados a eventos adversos graves.

Rituximab (RTX) é um anticorpo monoclonal quimérico com anticorpo monoclonal imunoglobulina IgG1 quimérica humana/rato, depletor de células-B anti-CD20, ligando-se especificamente ao CD20 presente na superfície de linfócitos B normais e neoplásicos. Atualmente usado em diversas doenças, vem mostrando efeito positivo nas doenças supracitadas. Este medicamento pode ser prescrito com segurança e tem mostrado ser capaz de prolongar a remissão e evitar efeitos adversos dos imunossupressores geralmente prescritos.

Por definição, síndrome nefrótica no adulto caracteriza-se por proteinúria acima de 3,5g/dia em urina de 24 horas, hipoalbuminemia com albumina sérica inferior a 3,5 – 3,0 g/dL e presença de edema. Hiperlipidemia com frequência está presente e às vezes com concentrações muito altas de colesterol sérico. Lipidúria também ocorre nesses pacientes. Pacientes nefróticos podem apresentar preservação da função renal, mas em muitos casos disfunção renal progressiva é o resultado de doenças sem remissão. Síndrome nefrótica estabelece o diagnóstico de doença glomerular e entre suas várias causas incluem-se DLM, GESF e NM primárias. Importante definir também que todos esses pacientes apresentam também estado de hipercoagulabilidade devido a alteração de proteínas associadas à cascata de coagulação e aumento da agregação de plaquetas. Assim, não apenas trombose venosa pode ocorrer, mas eventos arteriais não incomuns, especialmente em pacientes com albumina sérica menor que 2,0g/dL.

Em uma perspectiva geral, dada a fisiopatologia e alterações apontadas, princípios básicos de tratamento e seguimento partem do manejo da hipertensão, tratamento da proteinúria por meio de IECA, BRA e inibidores da SGLT2, tratamento da hiperlipidemia (hipercolesterolemia) com estatina em adultos com idade superior a 50, não uso de drogas nefrotóxicas e manejo do edema com diurético.

Termos utilizados quanto à resposta ao tratamento em DLM e GESF

- Remissão completa: Redução da proteinúria a valores inferiores ou iguais a 0,20 g/dia e albumina sérica > 3,5g/dia;
- Remissão parcial: Redução da proteinúria a valores entre 0,21 a 3,4 g/dia e/ou diminuição da proteinúria em 50% do valor basal;
- Não remissão: Falha em reduzir proteinúria em 50% do valor basal ou persistência em valores maiores 2000mg/g (200mg/mmol);
- Respondedor inicial: Obtenção de remissão completa nas primeiras 4 semanas de terapia com corticoide;
- Resistência a esteroides: Persistência de proteinúria apenas de terapia com corticoide (Prednisona 1mg/kg) durante 16 semanas;
- Recaída: Proteinúria superior a 3,5g/dia após remissão completa com persistência por tempo maior que 1 mês;
- Recaída infrequente: Um relapso após 6 meses de tratamento e resposta inicial, ou um a três relapsos em período de 12 meses;
- Recaída frequente: Dois ou mais relapsos em 6 meses de terapia inicial com resposta, ou quatro ou mais relapsos em período de 12 meses;
- Dependência de esteroides: Dois relapsos consecutivos durante terapia com esteroide, ou em 14 dias subsequentes a uma terapia completa com esse;
- Respondedor tardio: Proteinúria persistente com duração maior ou igual a 4 semanas em uso de esteroide após uma ou mais remissões

1. Doença de Lesões mínima (DLM)
Tipo mais comum de síndrome nefrótica na faixa pediátrica (~80%), enquanto contabiliza aproximadamente 10% na faixa adulta. À microscopia óptica, o glomérulo apresenta-se normal ou com sutis alterações sendo necessária microscopia eletrônica para definição da fusão e/ou fusão dos processos podocitários, lesão esta causadora da perda de proteína em grande monta e aparecimento da alterações clínico-laboratoriais descritas. Tratamento para tal desordem é geralmente extrapolado da população pediátrica e retirado de guidelines presentes em literatura internacional como o KDIGO e UPTODATE e apresenta-se resumido no esquema a seguir (figura 1).

1.1 Recaídas frequentes e dependência a esteroides:
Pacientes como esses devem receber terapia de segunda linha, porém não há definição correta para tempo de início desta. Ciclo de cliclofosfamida oral 2 a 2,5mg/kg/dia induz remissão completa em 75% dos adultos, mas com efeitos adversos marcados.
- Inibidores da Calcineurina também são opções para tratamento, porém monitorização cautelosa da função renal e níveis de potássio devem ser necessárias.
- Micofenolato, apesar de apresentar ser uma opção, não parece ter a mesma eficácia que a ciclosporina em estudos controlados.
- Rituximab induz remissão em pacientes com relapsos frequentes, porém há ausência de estudos controlados principalmente em relação a dose e a superioridade de cada uma: 1 a 2 infusões de 1000mg ou 4 infusões de 375mg/m2. No entanto é recomendado como alternativa às falhas ou eventos adversos dos esquemas acima.

2. Glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF)
Além de um padrão histológico de injúria glomerular, define um número grande de síndrome clinicopatológicas que podem ser primárias ou secundárias a diversas. Tendo em vista o propósito deste protocolo, será abordado o manejo apenas das GESF’s primárias. Em relação à abordagem geral e medicamentosa, não há diferença proposta para tratamento desta entidade sendo este semelhante à abordagem presente para a doença de lesões mínimas. Vale notar, no entanto, que a biópsia renal se torna particularmente importante por definir de maneira assertiva o prognóstico renal e até a resposta ou não ao tratamento. Também merece destaque que as taxas de progressão para perda renal definitiva são muito maiores nesta doença em comparação com a glomerulopatia de lesões mínimas.

3. Nefropatia membranosa
É doença glomerular relacionada a imunocomplexos na qual há depósitos de IgG e componentes do complemento predominantemente na região sub-epitelial, o que aumenta a permeabilidade dos podócitos e consequentemente levando à síndrome nefrótica. Há pouco mais de 10 anos descobriu-se a relação do desenvolvimento da patologia com a presença de anticorpos direcionados ao receptor de fosfolipase-A2 do tipo M (PLA2R), presentes nos processos podais dos podócitos. Tal anticorpo circulante está presente em 75 a 80% dos pacientes com nefropatia membranosa primária. Em vários estudos, Rituximab, apesar da diferença substancial nas doses e tempo entre elas, consistentemente reduziu a proteinúria em 60 a 70%. Na coorte da Clínica Mayo, denotou-se redução da concentração sérica do anticorpo ANTI-PLA2R tres meses antes da redução da proteinúria. Apesar da falta de estudos controlados, prospectivos e duplo-cegos, Rituximab é atualmente utilizado como tratamento de primeira linha nos pacientes com diagnóstico de NM e PLA2R positivo havendo propostas de dosagem e tempo entre estas. Houve demonstração consistente de não inferioridade do Rituximab comparado com a ciclosporina, além de menores taxas de eventos adversos. O esquema a seguir apresenta a proposta terapêutica para esta doença (figura 2).

Não se aplica.

A solicitação do Rituximabe pode ser feita com paciente internado após solicitação de medicação especial com anexo de estudos comprobatórios da indicação e eficácia da medicação. Deve-se solicitar a quantidade de frascos total referente ao tratamento do paciente à farmácia central e programar infusão quando o retorno para o término desta.Por questões logísticas, sugerimos a solicitação para esquema terapêutico de 1000mg a cada 14 dias com duas infusões programadas e monitorização da proteinúria ambulatorialmente após estas.

Em doença glomerulares os efeitos da diminuição da produção de anticorpos e citocinas e alteração no processo de apresentação de antígenos é observado de 3 a 6 meses podendo haver farmacocinética reduzida devido à síndrome nefrótica e diminuição da meia vida.

APRESENTAÇÃO
Rituximab 500mg/10 mL ou 100mg/10 mL

Dose (variável para cada indicação):
⮚ 375 mg/m2 semanalmente por 4 semanas;
⮚ 1000mg em 2 semanas (dose total de 2 gramas).

DILUIÇÃO E INFUSÃO
Pré-medicação: Realização cerca de 30 minutos antes do início do Rituximab:
1. Hidrocortisona 100 mg diluído em Cloreto de Sódio 0,9% EV;
2. Ondansetrona 8 mg EV;
3. Dipirona 1 g (ou Paracetamol);
4. Difenidramina 50 mg 1 ampola EV.
Quando dose de 500mg:
1. Diluir 500 mg em Cloreto de Sódio 0,9% 500 mL;
2. Instalar em bomba de infusão com velocidade de infusão 50ml/h por 1 hora;
3. Após a 1a hora, aumentar a velocidade para 100 mL/h e infundir por mais uma hora;
4. Após a 2a hora, aumentar a velocidade e manter até o término da infusão.

OBS: Qualquer sinal de evento adverso relacionado à sua infusão deve instigar a pausa da medicação. Após a resolução do evento, a infusão pode ser reiniciada 50ml/h menor que a anterior.

Quando dose de 1000mg:
1. Instalar em bomba de infusão com velocidade de 25 mL/h por 1 hora;
2. Após 1a hora aumentar a velocidade para 50 mL/h e infundir por mais 1 hora;
3. Após a 2a hora, aumentar para 75mL/h e manter por mais uma hora;
4. Após a 3a hora, aumentar para 100 mL/h e manter até o término da infusão.

OBS: Qualquer sinal de evento adverso relacionado à sua infusão deve instigar a pausa da medicação. Após a resolução do evento, a infusão pode ser reiniciada 50ml/h menor que a anterior.

Recomendações
- Evitar a administração de anti-hipertensivos no dia da infusão até o término desta;
- Pacientes devem permanecer com profilaxia com Bactrim 1cp/dia durante o uso e até 6 meses após.
- Monitorizar pré-tratamento e durante seguimento
⮚ Sorologia para HIV, HCV e HBV (HBsAg e anti-HBC):
Caso paciente HBsAg (-) e anti-HBC (+) deve-se coletar PCR para HBV e transaminases para avaliar reativação viral;
⮚ Radiografia de tórax para avaliação de Tuberculose Pulmonar;
⮚ PPD prévio;
⮚ Status vacinal;
⮚ Contracepção para mulheres em idade fértil durante terapia e por pelo menos 12 meses após a última dose;
⮚ Hemograma completo para vigilância de citopenias;
⮚ Monitorização de CD19;
⮚ Dosagem de Imunoglobulinas e Eletroforese de proteínas prévias.

Figura 1: Figura 1. Tratamento de doença de lesões mínimas


Figura 1. Tratamento de doença de lesões mínimas

Figura 2: Figura 2. Tratamento de nefropatia membranosa


Figura 2. Tratamento de nefropatia membranosa