Emergências Pediátricas - Dor abdominal na Emergência Pediátrica

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● delinear o diagnóstico diferencial das dores abdominais;
● identificar situações emergenciais em crianças com dor abdominal;
● orientar o manejo inicial dos quadros de dor abdominal aguda

Autora:
Marcela Maria de Aquino da Costa
Afiliação:
Médica Assistente da Sala de Urgência Pediátrica da Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

Data da última alteração: quinta, 28 de março de 2024
Data de validade da versão: sábado, 28 de março de 2026

Dor abdominal é causa frequente de procura por pronto atendimento pediátrico. Muitas vezes é causada por condições simples e autolimitadas, como constipação, gastroenterites, infecções virais e dor abdominal funcional; no entanto, há casos que envolvem situações de risco como obstrução intestinal, perfuração do trato digestivo e peritonite, necessitando avaliação conjunta do cirurgião.
A tabela 1 mostra as causas de dor abdominal não traumática de acordo com a faixa etária.

Anamnese:
● Investigar hábito intestinal, antecedentes patológicos, cirurgias prévias do trato digestivo, uso de medicamentos como anti-inflamatórios,
● Pesquisar sinais de alerta: vômitos biliosos, abdome rígido, massa palpável, aumento inguino-escrotal, hematêmese e hematoquezia, dispneia, taquicardia e sinais de choque, dor localizada no abdome, história de trauma, queda do estado geral e hipoatividade, anorexia.
● Caracterizar a dor como contínua ou intermitente (cólica), fatores de melhora e piora
● Localização:
1. epigástrica (p. ex., gastrite, pancreatite);
2. dor em hipocôndrio direito (p. ex., hepatite, colecistite, colelitíase e colangite);
3. dor em flancos: urolitíase, pode acompanhar disúria e hematúria.
4. dor em quadrante inferior direito (p. ex., apendicite, colites, doença inflamatória intestinal).
5. dor pélvica: em meninas sempre deve ser considerada possível patologia ovariana (cisto ovariano simples ou hemorrágico, torção e massa ovariana), doença inflamatória pélvica, gestação tópica ou ectópica. Questionar em adolescentes histórico menstrual e sexual, e realizar exame pélvico, quando adequado.
● Se vômito bilioso: obstrução intestinal (volvo e obstrução por bridas);
● Se vômito não bilioso: obstrução duodenal ou pilórica, intussuscepção, gastrite, pancreatite, gastroenterite, infecção do trato urinário (ITU), cetoacidose diabética (CAD).
● Se febre: gastroenterite, faringoamigdalite, pneumonia, ITU, peritonite (apendicite), translocação bacteriana (obstrução intestinal) e doenças inflamatórias pélvicas.
● Diarreia: gastrenterites; colite na apendicite; evacuações com sangue nas enterites bacterianas e divertículo de Meckel; evacuações com sangue e muco na intussuscepção e nas doenças inflamatórias intestinais.
● Alterações do hábito intestinal:
1. parada evacuatória (obstrução ou constipação intestinal);
2. escape fecal (constipação intestinal crônica);
3. distensão abdominal (obstrução distal);
4. diarreia (infecção, inflamação, intussuscepção).

Exame físico:
Pesquisar:
1. Ausculta: redução ou aumento de ruídos hidroaéreos.
2. Inspeção: distensão abdominal, peristaltismo visível, escoriações e hematomas
3. Palpação: massas (p.ex., fezes, tumores), definir local mais tenso, assimetria ou defesa localizada de parede abdominal.
4. Percussão, sinal de Giordano, sinal de Blumberg, consegue “pular” da maca
5. Toque retal: casos de obstrução e constipação intestinal, ou na presença de sangramento digestivo baixo.
6. Inspeção região perianal (fissuras), lesões sacrais.
7. Avaliação perineal e genital, quando dor em baixo ventre.
8. Exame físico geral, sinais vitais, atenção para oroscopia (faringoamidalites), semiologia pulmonar cuidadosa (pneumonia é causa frequente de dor abdominal) e sinais de instabilidade cardiovascular.

Em suspeita de apendicite pode ser utilizado o escore pediatric appendicitis score (tabela 2).

De acordo com a suspeita clínica, solicitar os exames laboratoriais apropriados:
● Urina 1 – leucocitúria e/ou hematúria (se infecção do trato urinário, púrpura de Henoch-Schönlein, cetoacidose diabética, apendicite)
● Hemograma - leucocitose: infecções e realização de escores para apendicite
● Amilase/ lípase: se suspeita de pancreatite
● Enzimas hepáticas e bilirrubinas: se suspeita de hepatite
● Pesquisa de sangue nas fezes
● Gasometria venosa e eletrólitos: se houver perdas anormais ou desidratação, suspeita de cetoacidose diabética, estenose hipertrófica de piloro
● Hemocultura, urocultura e coprocultura, de acordo com o sítio suspeito de infecção
● Teste de gravidez
Exames radiológicos:
1. Radiografia simples em posição ortostática: presença de níveis hidroaéreos (obstrução intestinal); pneumoperitônio (perfuração do trato digestivo); impactação fecal (constipação intestinal). Radiografia de tórax em todo paciente que apresente febre ou outros sinais que possam estar associados ao diagnóstico de pneumonia (sintomas respiratórios recentes, taquipneia, exame abdominal inespecífico)
2. Ultrassonografia (US) de abdome é útil em suspeita de apendicite, intussuscepção e má rotação com volvo, torção gonadal, litíases, estenose hipertrófica de piloro. O FAST (Sonografia Abdominal Focada para Trauma) pode detectar líquidos ou excluir grandes hemorragias em traumas abdominais.
3. Tomografia (TC) de abdome fica reservada para casos em que a avaliação clínica, exames iniciais e avaliação cirúrgica não foram elucidativos. Pode ser necessária no diagnóstico de pancreatite, nefrolitíase, apendicite em crianças menores ou obesas, abscessos ou massas abdominais.
● Cálculos de cálcio podem ser vistos na radiografia simples, cálculos de ácido úrico somente ao ultrassom, podendo demonstrar sinais de obstrução ao fluxo urinário, com hidronefrose, hidroureter; pode ser necessária complementação por TC sem contraste.
● Em todo caso traumático, o abdome deve ser avaliado por métodos de imagem, buscando identificar trauma de órgãos sólidos ou perfuração de vísceras ocas. A avaliação pode ser realizada somente com radiografias simples e ultrassonografias, em casos leves, ou tomografia computadorizada com contraste em casos mais graves.

• Estabilização clínica (suporte hemodinâmico, hidratação, correção de distúrbios hidroeletrolíticos e metabólicos)
• Iniciar antibióticos na presença de infecção suspeita ou confirmada (cobertura para germes intra-abdominais - Gram negativos e anaeróbios), com coleta prévia de culturas
• Descompressão com sonda nasogástrica calibrosa em suspeita de suboclusão e obstrução intestinal
• Analgesia efetiva, de acordo com o grau de dor
• Tratamento específico da causa e, quando necessário, interconsulta com especialista
• Avaliação cirúrgica de urgência se houver: vômitos biliosos, sangramento digestivo, sinais de peritonite.
• Tratamento cirúrgico, quando indicado

A tabela 3 mostra aspectos clínicos, laboratoriais e alterações de exames de imagem úteis ao diagnóstico de patologias abdominais frequentemente atendidas em sala de emergência pediátrica e o tratamento de cada uma delas.
A tabela 4 ilustra as indicações de tratamento cirúrgico.
A tabela 5 lista as doenças que requerem interconsulta com especialista.

Não se aplica

1. Bachur RG, et al. Outcomes of Nonoperative Management of Uncomplicated Appendicitis. Pediatrics. 2017.
2. Dadeh AA, et al. Predictive Factors to Diagnose Appendicitis in Children in the Emergency Department. Open Access Emerg Med. 2021.
3. Iyer R, Nallasamy K. Child with Abdominal Pain. Indian J Pediatr. 2018 Jan;85(1):71-76.
4. Neuman M. Causes of acute abdominal pain in children and adolescents. Editors: Gary R Fleisher, Jan E Drutz, Deputy Editor: James F Wiley. Update; Jul 2022.
5. Neuman M. Emergency evaluation of the child with acute abdominal pain. Editors: Gary R Fleisher, Jan E Drutz, Melvin B Heyman, Deputy Editor:James F Wiley. Update; Jul 2022.
6. Riedesel EL, et al. Imaging of Acute Abdominal Pain in the Pediatric Population. Pediatr Ann. 2020.
7. Samuel M. Pediatric appendicitis score. Journal of Pediatric Surgery; Volume 37, Issue 6, June 2002, Pages 877-881.
8. Smith J, Fox SM. Pediatric Abdominal Pain: An Emergency Medicine Perspective. Emerg Med Clin North Am. 2016 May;34(2):341-61.

Tabela 1: Tabela 1.

Causas de dor abdominal não traumática por faixa etária
Tabela 1.

Tabela 2: Tabela 2.

Pediatric appendicitis score
Tabela 2.

Tabela 3: Tabela 3.

Diagnóstico e tratamento de patologias abdominais frequentes em sala de emergência pediátrica
Tabela 3.

Tabela 4: Tabela 3.

Diagnóstico e tratamento de patologias abdominais frequentes em sala de emergência pediátrica
Tabela 3.

Tabela 5: Tabela 3.

Diagnóstico e tratamento de patologias abdominais frequentes em sala de emergência pediátrica
Tabela 3.

Tabela 6: Tabela 3.

Diagnóstico e tratamento de patologias abdominais frequentes em sala de emergência pediátrica
Tabela 3.

Tabela 7: Tabela 4.

Indicações de tratamento cirúrgico
Tabela 4.

Tabela 8: Tabela 5.

Doenças que requerem interconsulta com especialista
Tabela 5.