Emergências Pediátricas - Acidentes Escorpiônicos

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• Descrever as características clínico-laboratoriais dos acidentes escorpiônicos
• Delinear os tratamentos dos acidentes escorpiônicos

Palmira Cupo - Professora Doutora do Departamento de Puericultura e Pediatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
Viviane do Carmo Custódio - Médica Assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

Data da última alteração: quinta, 28 de março de 2024
Data de validade da versão: sábado, 28 de março de 2026

Os acidentes escorpiônicos são muito frequentes no Brasil e potencialmente graves na faixa etária pediátrica, especialmente abaixo dos 10 anos de idade.

Ação do Veneno:
O veneno dos escorpiões contém neurotoxinas que estimulam as terminações nervosas pós-ganglionares do sistema nervoso simpático e parassimpático e da medula adrenal, causando liberação de acetilcolina, adrenalina e noradrenalina, que desencadeiam o aparecimento de manifestações clínicas sistêmicas. Há também a participação de mediadores inflamatórios, especialmente relacionados ao comprometimento cardíaco e pulmonar.

Manifestações Clínicas:
• Locais: dor de intensidade variável, com discretos hiperemia e edema no local da picada. Piloereção, sudorese e frialdade podem estar presentes no local da picada ou em todo o membro atingido.
• Sistêmicas: decorrentes, principalmente, dos efeitos colinérgicos (miose, bradicardia, arritmias cardíacas, hipotensão arterial, aumento das secreções lacrimal, nasal, salivar, pancreática, gástrica, brônquica, sudorípara, tremores, piloereção e espasmos musculares) e adrenérgicos (midríase, arritmias cardíacas, taquicardia, hipertensão arterial, edema agudo de pulmão, insuficiência cardíaca e choque cardiogênico) desencadeados pelo veneno.

Classificação quanto à gravidade
Os acidentes escorpiônicos são classificados em leve, moderado e grave (Tabela 1).

Alterações nos exames complementares só ocorrem nos casos moderados e graves e costumam regredir dentro da primeira semana do acidente.
• Sangue: hiperglicemia, leucocitose e hipopotassemia ocorrem precocemente. Quando há comprometimento cardíaco, observa-se aumento das enzimas cardíacas creatinoquinase-MB (CK-MB), troponina I, fragmento N-terminal do peptídeo natriurético tipo B (NT-ProBNP), lactato desidrogenase (LDH) e transaminase glutâmico oxalacética (TGO), além de aumento do lactato e distúrbio do equilíbrio acidobásico.
• Urina: glicosúria e, às vezes, cetonúria.
• Eletrocardiograma (ECG): taquicardia ou bradicardia sinusal, extrassístoles, distúrbios da repolarização ventricular como inversão da onda T em várias derivações, presença de ondas U proeminentes, alterações semelhantes às observadas no infarto agudo do miocárdio (presença de ondas Q e supra ou infradesnivelamento do segmento ST), marcapasso mutável, prolongamento de QT corrigido.
• Radiografia de Tórax: área cardíaca normal ou aumentada e edema agudo de pulmão, uni ou bilateral.
• Ecocardiograma (ECO): disfunção sistólica do ventrículo esquerdo (VE) com diminuição da fração de ejeção (FE), de diferentes graus, reversível, com alteração da mobilidade regional ou global, dilatação das câmaras cardíacas e regurgitação da valva mitral. Tem sido descrito comprometimento do ventrículo direito em até 50% dos pacientes com escorpionismo grave. Nos casos graves, as alterações do ECO podem estar presentes logo após o acidente. Recomenda-se a realização de ECO à beira do leito, na admissão do paciente.
• Tomografia computadorizada cerebral: útil na suspeita de acidente vascular cerebral ou outras complicações neurológicas (raras).

Tratamento Geral
• Tratar a dor com analgésico via oral ou parenteral, dependendo da intensidade, associado à infiltração local ou bloqueio com anestésico sem vasoconstritor (cloridrato de bupivacaína 0,5% ou lidocaína 2%), se necessário, que pode ser repetido por até três vezes, com intervalo de uma hora entre eles.
• Antieméticos (ondansetrona) se vômitos profusos, que não cessam após a soroterapia.
• Balanço hídrico rigoroso – evitar sobrecarga hídrica, mas também hipovolemia. Expansão de volume deve ser feita APENAS se houver sinal de choque (5 mL/kg em 15 a 20 minutos).
• Hipopotassemia, hiperglicemia e distúrbios acidobásicos normalizam-se nas primeiras horas após o SAV e geralmente não necessitam de correção. Pode-se aumentar a concentração de potássio no soro de manutenção, porém, deve-se evitar a correção rápida.
• Hipertensão arterial geralmente melhora logo após o soro antiveneno e não requer tratamento.
• Insuficiência cardíaca/ choque cardiogênico:
o Administrar oxigênio por dispositivo de alto fluxo (máscara não reinalante)
o Suporte ventilatório precoce não invasivo ou invasivo – intubar precocemente casos graves, realizando a sequência rápida de intubação:
 Pré-oxigenação com O2 a 100%
 Atropina (< 1 ano ou bradicardia)
 Fentanil 1-2 mcg/kg
 Rocurônio 1 mg/kg
o Suporte hemodinâmico
Pressão arterial normal:
 Dobutamina 5-15 mcg/kg/min
 Milrinona 0,1-1 mcg/kg/min

Pressão arterial baixa:
 Epinefrina 0,01-0,3 mcg/kg/min
 Dopamina 5-10 mcg/kg/min
• NÃO administrar diurético a pacientes com instabilidade hemodinâmica e/ou sinais de choque. O uso de diurético é indicado em pacientes com edema pulmonar ou congestão venosa sistêmica (furosemida 1 mg/kg), mas deve ser administrado apenas após a restauração da perfusão sistêmica e a normalização da pressão arterial.
• CASOS GRAVES DEVEM SER TRATADOS NA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA.

Tratamento Específico (Tabela 1) (Fluxograma 1)

Evolução Clínica/ Complicações:
Pacientes com manifestações sistêmicas graves à admissão devem ser rigorosamente monitorizados nas primeiras 24 horas após o acidente, pois podem evoluir de duas maneiras:
• Regressão total das manifestações clínicas.
• Melhora da sintomatologia geral, mas evolução nas primeiras horas após o SAV com taquicardia e taquipneia por até 48-72 horas e, eventualmente, progressão para choque cardiogênico e edema pulmonar agudo, com risco de óbito.

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5. FRANÇA, F.O.S., et al. Acidentes por Animais Peçonhentos. In: MARTINS, M.A., et al (Eds.). Clínica Médica, Volume 7: Alergia e Imunologia Clínica, Doenças de Pele, Doenças Infecciosas. Barueri, SP; Manole, 2009. p. 553-613.
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Tabela 1: Tabela 1: Tratamento dos acidentes por escorpiões do gênero Tityus de acordo com a classificação clínica inicial de gravidade

Tabela 1
Tabela 1: Tratamento dos acidentes por escorpiões do gênero Tityus de acordo com a classificação clínica inicial de gravidade

Fluxograma 1: Fluxograma 1

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Fluxograma 1

Fluxograma 2: Fluxograma 1

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Fluxograma 1