Anestesiologia - Anestesia para cirurgia robótica

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A cirurgia assistida por robô é uma modalidade cirúrgica relativamente nova, cujas peculiaridades, inerentes ao uso do sistema robótico utilizado, demanda conhecimentos específicos para o adequado manejo anestésico do paciente. O anestesista precisa estar atento a diversas situações que podem levar a alterações fisiológicas que comprometam a segurança do paciente e que contribuam para um aumento de morbidade e desfechos ruins. Devem ser preocupações constantes do anestesista: o posicionamento do paciente, o aumento da pressão intra abdominal (PIA) causado pelo pneumoperitônio, a necessidade de imobilização absoluta do paciente, o tempo do procedimento, o manejo cardiocirculatório e ventilatório otimizados e a inacessibilidade do anestesista ao paciente após a locação do robô.

Dra. Ana M. G. Carretero, Prof. Dra. Waynice N. P. Garcia, Prof. Dr. Luís V. Garcia, Prof. Dr. João Abrão, Prof. Dr. Jyrson G. Klamt (Diretor do Serviço de Anestesiologia).

Data da última alteração: quarta, 10 de maio de 2023
Data de validade da versão: sábado, 10 de maio de 2025

As cirurgias robóticas surgiram no final dos anos 90 e vêm ganhando muita popularidade no cenário cirúrgico mundial. Com sua técnica minimamente invasiva, proporcionam maior precisão de movimentos, menor trauma cirúrgico, menor sangramento, menor incidência de dor pós operatória e menor tempo de internação hospitalar. Apesar de todas essas vantagens, seus custos de instalação e manutenção ainda são elevados. Diferentes especialidades cirúrgicas utilizam a tecnologia robótica, sendo as principais a urologia, a ginecologia, a cirurgia do aparelho digestivo e a cirurgia torácica.
As duas plataformas robóticas disponíveis no mercado atualmente são a Da Vinci Si e Xi. São constituídas de um carro cirúrgico com quatro braços robóticos, uma torre de visão óptica tridimensional e um console. Este equipamento é volumoso e ocupa grande espaço na sala cirúrgica. Para a adequada acoplagem do carro cirúrgico ao paciente (chamada “docking”), muitas vezes a mesa cirúrgica é colocada em posições extremas, sendo a mais comum um íngreme Trendelenburg associado à posição de litotomia para melhor exposição das cavidades abdominal e pélvica. Outras posições são utilizadas para cirurgias torácicas, transorais e mesmo peritoneais. Após o acoplamento dos braços do robô ao paciente, é necessário que este fique completamente imóvel, para que não haja risco de lesões pelo equipamento e para que as condições cirúrgicas sejam ótimas. Os danos causados pelo equipamento caso haja algum movimento involuntário do paciente são potencialmente graves, incluindo lesões vasculares e de vísceras.
Nas cirurgias abdomino-pélvicas, para permitir a adequada visualização do campo cirúrgico e permitir o trabalho do robô, é então insuflado um pneumoperitônio com CO2, elevando a PIA para valores entre 12 e 15 mmHg.
Após o início cirúrgico, não é mais possível que o anestesista acesse o paciente. Por isso, todo o planejamento de monitorização, estabelecimento de acessos vasculares, proteção e garantia de via aérea, prevenção de lesões devido ao posicionamento e proteção térmica, devem ser vistos e executados pelo anestesista de antemão.

Várias são as mudanças que ocorrem na homeostase do paciente quando este está sendo submetido a uma cirurgia robótica. No intuito de manter as melhores condições clínicas, a identificação dessas alterações através de uma monitorização adequada é fundamental. Além da monitorização essencial em toda cirurgia sob anestesia geral (pressão arterial, cardioscopia, oximetria de pulso e capnografia), outros monitores tornam a anestesia para cirurgia robótica mais segura e eficiente.
Na cirurgia robótica, a monitorização do bloqueio neuromuscular é mandatória devido a necessidade de imobilidade absoluta do paciente. Por isso, a maioria dos anestesistas optam por utilizar relaxantes musculares em infusão contínua. O uso de monitor quantitativo do bloqueio neuromuscular torna não só a mensuração da profundidade do bloqueio possível como também fornece valores que nos permitem avaliar a recuperação da função neuromuscular ao final do procedimento. O uso do monitor garante níveis de bloqueio neuromuscular mais constantes e efetivos, aumentando a segurança do procedimento. Idealmente deve-se manter um PTC de 1 a 2 e o TOF = 0 durante a cirurgia. Igualmente importante é o papel do monitor na extubação, pois permite uma reversão segura do bloqueio neuromuscular com agentes próprios, evitando assim bloqueio residual pós anestésico e possíveis complicações relacionadas.
A utilização de monitorização invasiva e acessos venosos periféricos e centrais fazem parte do planejamento anestésico. O anestesista deve levar em conta as comorbidades do paciente, a cirurgia a ser realizada, o potencial de sangramento, entre outros, para decidir quais elementos ele irá implementar, tendo em mente sempre que após início cirúrgico não é mais possível ter acesso ao paciente.
Sondagem vesical e gástrica são feitas rotineiramente em cirurgia robótica pois, além da quantificação dos débitos urinário e gástrico, são também importantes para melhorar o campo cirúrgico através da descompressão da bexiga e do estômago.
Outros monitores, como o BIS, podem ser utilizados pelo anestesista a fim de aumentar a segurança do procedimento, além de permitir intervenções focadas na correção de alterações específicas.

No decorrer da cirurgia podem ser colhidos exames laboratoriais para otimização dos cuidados anestésicos.

Como dito anteriormente, diversas alterações fisiológicas acontecem durante a anestesia robótica, secundárias principalmente ao posicionamento e à imobilidade completa do paciente. O anestesista deve estar apto a identificar e manejar tais alterações.
1) Alteração da mecânica ventilatória.
O posicionamento em íngreme Trendelenburg por tempo prolongado associado ao pneumoperitônio, que é o cenário mais comum em cirurgia robótica, acabam provocando o deslocamento cefálico do diafragma, contribuindo para a diminuição da complacência pulmonar e redução da capacidade residual funcional, favorecendo atelectasias, edema pulmonar e distúrbios de ventilação/perfusão. Há ainda os efeitos da absorção de CO2, com tendência à acidose respiratória. Para evitar complicações relacionadas a essas alterações, a ventilação pode ser otimizada, sugerindo-se a utilização de estratégias de ventilação protetora: PEEP entre 5-7 cmH2O; volume corrente de 6 a 8 ml/kg, pressão máxima de vias aéreas menor que 35 cmH2O, manutenção da normocapnia. A estratégia de usar tempos inspiratórios mais prolongados pode favorecer as trocas gasosas e diminuir a fração expirada de CO2 (por exemplo TI:TE de 1:1 ou 2:1).
Esta posição cirúrgica e aumento da PIA também favorecem o deslocamento do tubo traqueal. Por isso, este deve ser fixado de maneira firme para evitar deslocamentos (com possível extubação ou seletivação), dobras e lesões. Os tubos aramados são boas opções para esses procedimentos.
Pacientes pneumopatas e cardiopatas graves devem ser cuidadosamente vistos no pré operatório para que sua elegibilidade para a cirurgia robótica seja confirmada.
2) Alterações hemodinâmicas
As cirurgias laparoscópicas e robóticas apresentam alterações circulatórias variáveis e dinâmicas ao longo do procedimento, principalmente devido ao aumento da PIA pelo pneumoperitônio. É descrita na literatura a ocorrência de bradicardia e menos comumente outras arritmias durante a insuflação do gás. O mecanismo mais aceito para explicar tal fenômeno é a estimulação parassimpática reflexa e o tratamento desses casos é sintomático.
O pneumoperitônio também promove a compressão de vasos e de vísceras, resultando na diminuição da perfusão das mesmas. Ocorre redução da perfusão renal, com consequente ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona e diminuição do débito urinário. Há uma maior liberação de catecolaminas e vasopressina e, assim sendo, ocorre aumento da resistência vascular sistêmica e pulmonar e aumento da pressão arterial média. Apesar do Trendelenburg favorecer o retorno venoso, o balanço final destas alterações é uma tendência à diminuição do débito cardíaco e aumento do consumo miocárdico de oxigênio. Estas mudanças são bem toleradas em pacientes hígidos, porém pacientes cardiopatas necessitam de maior atenção e intensificação da monitorização, sendo descrita nessa população a necessidade de um maior número de intervenções farmacológicas durante o procedimento.
3) Absorção de CO2
O CO2 é o gás utilizado para criar o pneumoperitônio ou pneumotórax, necessários para visualização do campo cirúrgico. O CO2 é um gás altamente solúvel e sua absorção sistêmica ocorre em níveis variáveis a depender da cirurgia e sua duração. O anestesista deve sempre promover a manutenção da normocapnia do paciente, evitando assim os efeitos deletérios da acidose respiratória, como vasodilatação, maior propensão a arritmias e diminuição da contratilidade cardíaca. Outra complicação relacionada à absorção desse gás é o enfisema subcutâneo, mais comum em dissecções de retroperitônio.
4) Edema e aumento de pressões intracraniana e intraocular
O posicionamento acentuado também leva a alterações hemodinâmicas e da regulação do fluxo sanguíneo cerebral que favorecem a estase venosa e edema da porção superior do corpo. Podem ocorrer aumento da pressão intracraniana (PIC), aumento da pressão intraocular (PIO), edema de partes moles da cabeça e pescoço como traquéia, língua, face, conjuntiva, entre outros. Algumas estratégias para minimizar tais eventos podem ser tomadas, a saber:
− Manutenção rigorosa da normocapnia a fim de evitar alterações na circulação cerebral.
− Terapia hídrica restritiva durante o intraoperatório, sempre levando-se em conta a clínica do paciente. A restrição hídrica diminui a incidência de edema e favorece as cirurgias urológicas, pois o débito urinário excessivo pode prejudicar o visualização do campo cirúrgico. Para evitar oligúria e outras complicações no pós operatório, uma terapia hídrica menos restritiva pode ser instituída após o fim do período cirúrgico ou na sala de recuperação.
− Evitar oscilações da pressão arterial, principalmente para valores acima dos valores pré-indução.
− Oclusão ocular (com coaptação das pálpebras e uso de pomada lubrificante) para evitar lesões corneanas por exposição ou por compressão extrínseca.
Na extubação, o anestesista deve sempre estar atento para edema de vias aéreas que possa comprometer a ventilação após retirada do tubo, principalmente se não houver escape aéreo peri cuff após sua desinsuflação.
Pacientes com obesidade mórbida e SAOS grave devem ser cuidadosamente avaliados no pré operatório para que os cuidados anestésicos contemplem possíveis complicações advindas dessas comorbidades. Pacientes com aumento de pressão intracraniana prévia, massas encefálicas e glaucoma devem ser rigorosamente avaliados no pré operatório para que sua elegibilidade para a cirurgia robótica seja confirmada.
5) Lesões secundárias ao posicionamento e imobilização
O posicionamento e a potencial duração prolongada da cirurgia podem proporcionar lesões ao paciente que agregam morbidade no pós operatório e podem aumentar o tempo de internação hospitalar, aumentando assim os custos já grandes da cirurgia robótica. As lesões mais comumente encontradas são:
− lesões nervosas periféricas por compressão ou estiramento
− diferentes graus de lesões por pressão
− lesões por deslocamento inadvertido do paciente durante o ato cirúrgico
As lesões nervosas periféricas podem ser temporárias ou permanentes e ocorrem mais comumente nos membros superiores.
As lesões por movimentação do paciente podem ser especialmente graves pois o aparelho robótico é volumoso e seu manejo é feito remotamente pelo cirurgião que está operando o console, podendo ocorrer lesões viscerais e vasculares importantes.
O posicionamento extremo necessita de contenção adequada do doente para que não haja possibilidade de deslocamento. Os braços ficam ao longo do corpo e devem ser igualmente protegidos. Em geral, usam-se protetores acolchoados sobre a mesa cirúrgica (em geral de silicone) que evitam deslizamento, bem como cintas e coxins com o mesmo propósito. Suportes para as pernas também ajudam nessa função e devem ser igualmente acolchoados para prevenir lesões. Pontos de pressão, proeminências ósseas, conectores plásticos, acessos venosos e cabos de monitorização devem ser protegidos para evitar lesões. O suporte de ombros, apesar de evitar o deslocamento do paciente quando em Trendelenburg, pode estar associado a lesões do plexo braquial, por isso deve ser locado e protegido com cuidado.
6) Situações de emergência durante a cirurgia robótica
Complicações são passíveis de acontecer em qualquer cenário cirúrgico, não raro necessitando de intervenção imediata por parte do cirurgião e/ou anestesista. Na cirurgia assistida por robô, o anestesista não tem pronto acesso ao paciente. Em casos de situações de emergência como parada cardiorrespiratória e extubação acidental, é necessário que primeiro haja a retirada do equipamento robótico volumoso e retorno do paciente para posição de decúbito dorsal horizontal. Esta retirada é um processo que envolve vários passos e a equipe cirúrgica deve estar apta a fazer isso da maneira mais rápida possível. Estima-se que uma equipe bem treinada realize esse
procedimento em torno de 1 minuto. Portanto, a prevenção de complicações é a melhor estratégia para garantir uma cirurgia tranquila e segura.
7) Manejo da dor pós operatória
A dor pós operatória dos procedimentos robóticos tende a ser substancialmente menor quando comparada à dor de cirurgias correlatas feitas por via aberta. A dor é geralmente classificada como de leve a moderada e está intimamente relacionada ao tipo de procedimento realizado. É tanto de origem somática, pelo trauma cirúrgico direto, como visceral, pela distensão do peritônio e manipulação das vísceras. A analgesia multimodal e a associação de bloqueios (como o TAP block) com a anestesia geral favorecem o controle álgico pós operatório.

Não se aplica.

-Lee, J. R. (2014). Anesthetic considerations for robotic surgery. Korean Journal of Anesthesiology; 66(1), 3–11
-Hsu R.L., Kaye A. D., Urman R. D. Anesthetic Challenges in Robotic-assisted Urologic Surgery. Rev Urol. 2013; 15(4): 178–184.
-Maerz , D. A., Beck, L. N., Sim, A. J., Gainsburg, D. M. Complications of robotic-assisted laparoscopic surgery distant from the surgical site. BJA: British Journal of Anaesthesia, Volume 118, Issue 4, April 2017, Pages 492–503
-Joshi G. P., Anesthesia for laparoscopic and abdominal robotic surgery in adults. Up To Date. 2019. Disponível em : < http://www.uptodate.com> . Acesso em 23/09/2019.