Como dito anteriormente, diversas alterações fisiológicas acontecem durante a anestesia robótica, secundárias principalmente ao posicionamento e à imobilidade completa do paciente. O anestesista deve estar apto a identificar e manejar tais alterações.
1) Alteração da mecânica ventilatória.
O posicionamento em íngreme Trendelenburg por tempo prolongado associado ao pneumoperitônio, que é o cenário mais comum em cirurgia robótica, acabam provocando o deslocamento cefálico do diafragma, contribuindo para a diminuição da complacência pulmonar e redução da capacidade residual funcional, favorecendo atelectasias, edema pulmonar e distúrbios de ventilação/perfusão. Há ainda os efeitos da absorção de CO2, com tendência à acidose respiratória. Para evitar complicações relacionadas a essas alterações, a ventilação pode ser otimizada, sugerindo-se a utilização de estratégias de ventilação protetora: PEEP entre 5-7 cmH2O; volume corrente de 6 a 8 ml/kg, pressão máxima de vias aéreas menor que 35 cmH2O, manutenção da normocapnia. A estratégia de usar tempos inspiratórios mais prolongados pode favorecer as trocas gasosas e diminuir a fração expirada de CO2 (por exemplo TI:TE de 1:1 ou 2:1).
Esta posição cirúrgica e aumento da PIA também favorecem o deslocamento do tubo traqueal. Por isso, este deve ser fixado de maneira firme para evitar deslocamentos (com possível extubação ou seletivação), dobras e lesões. Os tubos aramados são boas opções para esses procedimentos.
Pacientes pneumopatas e cardiopatas graves devem ser cuidadosamente vistos no pré operatório para que sua elegibilidade para a cirurgia robótica seja confirmada.
2) Alterações hemodinâmicas
As cirurgias laparoscópicas e robóticas apresentam alterações circulatórias variáveis e dinâmicas ao longo do procedimento, principalmente devido ao aumento da PIA pelo pneumoperitônio. É descrita na literatura a ocorrência de bradicardia e menos comumente outras arritmias durante a insuflação do gás. O mecanismo mais aceito para explicar tal fenômeno é a estimulação parassimpática reflexa e o tratamento desses casos é sintomático.
O pneumoperitônio também promove a compressão de vasos e de vísceras, resultando na diminuição da perfusão das mesmas. Ocorre redução da perfusão renal, com consequente ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona e diminuição do débito urinário. Há uma maior liberação de catecolaminas e vasopressina e, assim sendo, ocorre aumento da resistência vascular sistêmica e pulmonar e aumento da pressão arterial média. Apesar do Trendelenburg favorecer o retorno venoso, o balanço final destas alterações é uma tendência à diminuição do débito cardíaco e aumento do consumo miocárdico de oxigênio. Estas mudanças são bem toleradas em pacientes hígidos, porém pacientes cardiopatas necessitam de maior atenção e intensificação da monitorização, sendo descrita nessa população a necessidade de um maior número de intervenções farmacológicas durante o procedimento.
3) Absorção de CO2
O CO2 é o gás utilizado para criar o pneumoperitônio ou pneumotórax, necessários para visualização do campo cirúrgico. O CO2 é um gás altamente solúvel e sua absorção sistêmica ocorre em níveis variáveis a depender da cirurgia e sua duração. O anestesista deve sempre promover a manutenção da normocapnia do paciente, evitando assim os efeitos deletérios da acidose respiratória, como vasodilatação, maior propensão a arritmias e diminuição da contratilidade cardíaca. Outra complicação relacionada à absorção desse gás é o enfisema subcutâneo, mais comum em dissecções de retroperitônio.
4) Edema e aumento de pressões intracraniana e intraocular
O posicionamento acentuado também leva a alterações hemodinâmicas e da regulação do fluxo sanguíneo cerebral que favorecem a estase venosa e edema da porção superior do corpo. Podem ocorrer aumento da pressão intracraniana (PIC), aumento da pressão intraocular (PIO), edema de partes moles da cabeça e pescoço como traquéia, língua, face, conjuntiva, entre outros. Algumas estratégias para minimizar tais eventos podem ser tomadas, a saber:
− Manutenção rigorosa da normocapnia a fim de evitar alterações na circulação cerebral.
− Terapia hídrica restritiva durante o intraoperatório, sempre levando-se em conta a clínica do paciente. A restrição hídrica diminui a incidência de edema e favorece as cirurgias urológicas, pois o débito urinário excessivo pode prejudicar o visualização do campo cirúrgico. Para evitar oligúria e outras complicações no pós operatório, uma terapia hídrica menos restritiva pode ser instituída após o fim do período cirúrgico ou na sala de recuperação.
− Evitar oscilações da pressão arterial, principalmente para valores acima dos valores pré-indução.
− Oclusão ocular (com coaptação das pálpebras e uso de pomada lubrificante) para evitar lesões corneanas por exposição ou por compressão extrínseca.
Na extubação, o anestesista deve sempre estar atento para edema de vias aéreas que possa comprometer a ventilação após retirada do tubo, principalmente se não houver escape aéreo peri cuff após sua desinsuflação.
Pacientes com obesidade mórbida e SAOS grave devem ser cuidadosamente avaliados no pré operatório para que os cuidados anestésicos contemplem possíveis complicações advindas dessas comorbidades. Pacientes com aumento de pressão intracraniana prévia, massas encefálicas e glaucoma devem ser rigorosamente avaliados no pré operatório para que sua elegibilidade para a cirurgia robótica seja confirmada.
5) Lesões secundárias ao posicionamento e imobilização
O posicionamento e a potencial duração prolongada da cirurgia podem proporcionar lesões ao paciente que agregam morbidade no pós operatório e podem aumentar o tempo de internação hospitalar, aumentando assim os custos já grandes da cirurgia robótica. As lesões mais comumente encontradas são:
− lesões nervosas periféricas por compressão ou estiramento
− diferentes graus de lesões por pressão
− lesões por deslocamento inadvertido do paciente durante o ato cirúrgico
As lesões nervosas periféricas podem ser temporárias ou permanentes e ocorrem mais comumente nos membros superiores.
As lesões por movimentação do paciente podem ser especialmente graves pois o aparelho robótico é volumoso e seu manejo é feito remotamente pelo cirurgião que está operando o console, podendo ocorrer lesões viscerais e vasculares importantes.
O posicionamento extremo necessita de contenção adequada do doente para que não haja possibilidade de deslocamento. Os braços ficam ao longo do corpo e devem ser igualmente protegidos. Em geral, usam-se protetores acolchoados sobre a mesa cirúrgica (em geral de silicone) que evitam deslizamento, bem como cintas e coxins com o mesmo propósito. Suportes para as pernas também ajudam nessa função e devem ser igualmente acolchoados para prevenir lesões. Pontos de pressão, proeminências ósseas, conectores plásticos, acessos venosos e cabos de monitorização devem ser protegidos para evitar lesões. O suporte de ombros, apesar de evitar o deslocamento do paciente quando em Trendelenburg, pode estar associado a lesões do plexo braquial, por isso deve ser locado e protegido com cuidado.
6) Situações de emergência durante a cirurgia robótica
Complicações são passíveis de acontecer em qualquer cenário cirúrgico, não raro necessitando de intervenção imediata por parte do cirurgião e/ou anestesista. Na cirurgia assistida por robô, o anestesista não tem pronto acesso ao paciente. Em casos de situações de emergência como parada cardiorrespiratória e extubação acidental, é necessário que primeiro haja a retirada do equipamento robótico volumoso e retorno do paciente para posição de decúbito dorsal horizontal. Esta retirada é um processo que envolve vários passos e a equipe cirúrgica deve estar apta a fazer isso da maneira mais rápida possível. Estima-se que uma equipe bem treinada realize esse
procedimento em torno de 1 minuto. Portanto, a prevenção de complicações é a melhor estratégia para garantir uma cirurgia tranquila e segura.
7) Manejo da dor pós operatória
A dor pós operatória dos procedimentos robóticos tende a ser substancialmente menor quando comparada à dor de cirurgias correlatas feitas por via aberta. A dor é geralmente classificada como de leve a moderada e está intimamente relacionada ao tipo de procedimento realizado. É tanto de origem somática, pelo trauma cirúrgico direto, como visceral, pela distensão do peritônio e manipulação das vísceras. A analgesia multimodal e a associação de bloqueios (como o TAP block) com a anestesia geral favorecem o controle álgico pós operatório.