Emergências Oncológicas - Hipercalcemia da malignidade na emergência

Área: Unidade de Emergência / Subárea: Clínica Médica

1. Reconhecer casos suspeitos e diagnosticar hipercalcemia da malignidade
2. Realizar o tratamento de quadros de hipercalcemia da malignidade no cenário de Urgência/Emergência

1. José Mauricio S C Mota - Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, ex-médico-assistente da Unidade de Emergência da FMRP-USP

Data da última alteração: terça, 06 de dezembro de 2022
Data de validade da versão: sexta, 06 de dezembro de 2024

Definido como a hipercalcemia (cálcio total > 10.5 mg/dL) em pacientes com condições oncológica predisponente. Ocorre em 10-20% dos pacientes oncológicos durante a evolução da doença. A ocorrência de hipercalcemia é um sinal de mau prognóstico, com mortalidade de cerca de 50% em 1 mês.

Principais causas:
1. Secreção de PTHrp (80%)
2. Metástases osteolíticas (20%)
3. Secreção de PTH (<1%)
4. Secreção de vitamina D (<1%)
5. Prudente considerar excluir causas não oncológicas (ex. hiperparatireoidismo primário, reposição de cálcio, uso de diuréticos tiazídicos)

Quadro clínico: A maior parte dos pacientes com hipercalcemia da malignidade são assintomáticos. O quadro clínico depende também da velocidade de instalação, gravidade da hipercalcemia, função cognitiva prévia, idade, função renal e uso concomitante de sedativos. Os sinais e sintomas mais comuns são:

- Náuseas e vômitos
- Confusão mental
- Rebaixamento do nível de consciência (obnubilação, torpor ou coma)
- Constipação intestinal
- Poliúria e desidratação, podendo ocorrer lesão renal aguda pré-renal
- Hiporexia e dor abdominal

Quadro clínico compatível, em paciente com condição predisponente e dosagem sérica de cálcio acima do limite superior da normalidade.
Classificação:
1. Leve: 10.5 a 11.9 mg/dL ou Cai < 3 mmol/L
2. Moderada: 12.0 a 13.9 mg/dL ou Cai 3 a 3.5 mmol/L
3. Grave: > 14 mg/dL ou Cai > 3.5 mmol/L
* considerar que a gravidade da síndrome depende também da velocidade de instalação da hipercalcemia: quanto mais aguda, mais pronunciados e graves serão os sinais e sintomas

Neoplasias que mais comumente causam hipercalcemia da malignidade:
- Mama
- Pulmão
- Mieloma múltiplo
- Carcinomas espinocelulares em geral

Propedêutica:
- Solicitar exames gerais, incluindo função renal, sódio, potássio, cálcio, fósforo, albumina e gasometria venosa.
- Corrigir cálcio total conforme a dosagem de albumina (Ca total corrigido = Cálcio total + 0.8 (4 - albumina em mg/dL)
- Na maior parte dos casos, o diagnóstico de hipercalcemia da malignidade será evidente pela condição oncológica predisponente e não necessitará de maiores investigações.
- Sempre considerar dosar PTH sérico para afastar hiperparatireoidismo primário
- Dosagem de PTHrp é usualmente não disponível e desnecessária na maior parte das vezes
- Considerar dosar metabólitos da vitamina D em caso de suspeita de linfoma, sarcoidose e suspeita de intoxicação por vitamina D

O tratamento na urgência da hipercalcemia destina-se a pacientes sintomáticos ou com cálcio > 14 (hipercalcemia grave)
Tratamento na Urgência:
1. Remover reposição de cálcio da prescrição, suspender tiazídicos, lítio, vitamina D ou outros medicamentos que causem hipercalcemia
2. Evitar reposição intravenosa de fósforo; se fósforo sérico < 3 mg/dL, iniciar reposição via oral
3. Hidratação venosa vigorosa (com parcimônia se idosos, dialíticos e/ou cardiopata): 200 a 300 mL/hora até correção da desidratação; objetivo é débito urinário > 100 a 150 mL/hora
4. Após corrigir a desidratação, manter hidratação 1000 mL 6/6 h a 8/8 h, concomitante com furosemida 20-40 mg iv 6/6 h a 8/8 h conforme diurese. Importante usar diuréticos de alça apenas após corrigir a desidratação.
5. Solicitar registro de diurese e balanço hídrico
5. Bisfosfonatos: são agentes muito eficazes que agem inibindo a reabsorção óssea por osteoclastos. Importante ressaltar que seu pico de ação é em torno de 48 a 72 horas, ou seja, não se espera redução imediata da calcemia após uso de bisfosfonatos. Atenção para risco de síndrome influenza-like, artralgias, hipocalcemia (especialmente em pacientes com deficiência de vitamina D) e osteonecrose de mandíbula (considerar avaliação odontológica previamente ao uso).
5.1 Ácido zoledrônico (preferencialmente): é superior ao pamidronato na reversão da hipercalcemia da malignidade
- 4 mg (diluir em 50-100 mL de SF) endovenso em 15 minutos
- considerar risco-benefício se creatinina > 4.5
- considerar nova dose apenas após 7 dias da última dose
5.2 Pamidronato (segunda opção):
- 60 a 90 mg (diluir em 250 mL de SF) endovenoso em 2 horas
- evitar se Cr > 3 mg/dL ou ClCr < 30 mL/minuto
- considerar nova dose apenas após 7 dias da última dose
6. Calcitonina:
- uso raramente é necessário
- considerar apenas se hipercalcemia grave e não houver reversão após todas as medidas citadas acima
- efeito geralmente rápido, mas efêmero (<48 horas) devido a taquifilaxia
- 4 a 8 UI/kg SC/IM a cada 6 a 8 horas
7. Corticóides:
- considerar quando o mecanismo é por excesso de produção de vitamina D (ex. em doenças granulomatosas, linfomas ou sarcoidose)
- prednisona 20 a 40 mg/dia
8. Terapia de substituição renal:
- Considerar em casos graves, sem reversão após condutas iniciais, e casos em que reposição volêmica agressiva não seja possível

Após estabilização clínica, considerar o tratamento da doença de base conforme condição clínica do paciente e doença oncológica.

1. Horwitz MJ et al. Hypercalcemia of malignancy. Uptodate.
2. PMID: 21724679
3. PMID: 26037642
4. PMID: 27170690
5. PMID: 15673803