Infectologia - Tuberculose: Manejo Diagnóstico e Terapêutico.

Área: Unidade de Emergência / Subárea: Clínica Médica

Manejar adequadamente a investigação e o tratamento da tuberculose.

Andréa Beltrami Doltrario: Residente de Medicina Tropical, Departamento de Clínica Médica, HCFMRP
Ana Beatriz Falcão Cavalcante: Residente de Infectologia, Departamento de Clínica Médica, HCFMRP
Fernanda Guioti Puga: Médica Assistente, Divisão de Moléstias Infecciosas, Departamento de Clínica Médica, HCFMRP
Valdes Roberto Bollela: Professor Associado, Divisão de Moléstias Infecciosas, Departamento de Clínica Médica, HCFMRP

Data da última alteração: terça, 06 de dezembro de 2022
Data de validade da versão: sexta, 06 de dezembro de 2024

A tuberculose (TB) pode ser causada por qualquer uma das sete espécies que integram o complexo Mycobacterium tuberculosis: M. tuberculosis (espécie mais importante), M. bovis, M. africanum, M. canetti, M. microti, M. pinnipedi e M. caprae. É transmitida por via aérea, por exalação de aerossóis oriundos de tosse, fala ou espirro. Indivíduos com baciloscopia positiva tem maior capacidade de transmissão, todavia, pessoas com cultura e/ou TB-TRM positivos também podem transmitir. Pode ter diferentes apresentações clínicas, relacionadas com os órgãos acometidos.

Isolamento respiratório: o risco de transmissão da TB perdura enquanto o paciente eliminar bacilos no escarro. Com o início do tratamento, a transmissão tende a diminuir gradativamente e, em geral, após 15 dias, ela encontra-se muito reduzida. A importância de realizar baciloscopia de escarro de controle (no 15º dia de tratamento) reside não somente na confirmação da eficácia do esquema terapêutico, mas também na avaliação de risco para os contatos. O paciente que está em investigação de TB, em leito de isolamento respiratório, deve apresentar um resultado negativo de TB-TRM e duas baciloscopias negativas para ser retirado do isolamento respiratório (este critério está em processo de revisão e atualização).

1. Diagnóstico clínico
Pode ter diferentes apresentações clínicas, relacionadas com os órgãos acometidos.
1.1 Tuberculose pulmonar (primária ou pós-primária)
1.2 Tuberculose extrapulmonar (pleural, empiema pleural tuberculoso, ganglionar periférica, meningoencefálica, pericárdica, óssea, renal, intestinal e cutânea).

2. Diagnóstico bacteriológico
2.1 Exame microscópico direto – baciloscopia direta
Deve ser realizada em duas amostras: uma por ocasião do primeiro contato com o indivíduo que tosse e outra, no dia seguinte ao despertar. Solicitar mais amostras a depender da suspeita clínica. Se o paciente apresentar dificuldade para expectorar, deve-se realizar escarro induzido com salina hipertônica (misturar 5,6 ml de cloreto de sódio 20% com 19,4ml de água destilada, colocar no nebulizador 10 ml desta solução) se mesmo assim não for possível a coleta de escarro, realizar lavado gástrico.

2.2 Teste rápido molecular para tuberculose (TB-TRM)
O TB-TRM está indicado nas seguintes situações:
 Diagnóstico de casos novos de TB pulmonar e laríngea em adultos e adolescentes (Figura 1 - Fluxograma para o diagnóstico de tuberculose pulmonar e laríngea).
 Diagnóstico de TB extrapulmonar nos materiais biológicos já validados.
 Triagem de resistência a rifampicina nos casos de retratamento.
 Triagem de resistência a rifampicina nos casos com suspeita de falência ao tratamento da TB.

No laboratório de micobactérias do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) é realizado TB-TRM no escarro, escarro induzido, lavado gástrico, lavado broncoalveolar, líquido pleural, líquido ascítico, líquido pericárdico, liquor, materiais de biópsias, urina e fezes.

Em novembro de 2019 o Ministério da Saúde atualizou o TB-TRM em todo o país e desde então estamos utilizando um cartucho do gene Xpert que se chama ULTRA. Este teste tem muitas semelhanças e algumas diferenças em relação ao TB-TRM anterior, sendo a mais importante o aumento da sensibilidade do teste.
O nome do teste no sistema ATHOS não mudou mas a tecnologia que está sendo utilizada foi atualizada e melhorada com a nova versão gene Xpert ULTRA.

Os resultados devem ser interpretados da seguinte forma:
Em caso de resistência à rifampicina ou MTB TRAÇOS detectado, uma nova amostra clínica deve ser coletada e enviada ao laboratório.

INTERPRETAÇÃO DO RESULTADO MTB DETECTADO TRAÇOS

1. O resultado “MTB DETECTADO TRAÇOS” deve ser considerado POSITIVO PARA M. tuberculosis SOMENTE para pessoas que vivem com HIV, crianças < 10 anos e casos de TB extrapulmonar. Neste caso o teste será INCONCLUSIVO PARA RIF (resistência à rifampicina).
2. O resultado “MTB DETECTADO TRAÇOS” deve ser considerado INCONCLUSIVO PARA MTB E RIF (resistência à rifampicina) para a população em geral, profissionais de saúde, população privada de liberdade, em situação de rua, indígenas e contatos de tuberculose resistente. (Figura 2)

2.3. Cultura para micobactéria, identificação e teste de sensibilidade
A cultura de escarro (meios sólidos ou líquidos) pode aumentar em até 30% o diagnóstico bacteriológico e confirma o diagnóstico de micobacteriose, sendo necessária a identificação da espécie para caracterizar se é um caso de tuberculose ou outra micobactéria. No laboratório de micobactérias do HCFMRP a cultura é realizada em meio líquido (MGIT), no qual o resultado varia de 5 a 12 dias, quando positivo, e 42 dias, quando negativo. O teste de sensibilidade é realizado através do Genotype MTB DR (teste genotípico) e também encaminhado para o Instituto Adolfo Lutz para a realização do Genotype MTB DR e teste de sensibilidade fenotípico.

3. Diagnóstico por imagem
A radiografia de tórax é o exame de escolha na avaliação inicial e no acompanhamento da TB pulmonar

4. Diagnóstico histopatológico
Achado: granuloma com necrose caseosa e/ou visualização de bacilos.

Todo paciente com diagnóstico de tuberculose deve ser testado para o HIV.

Em anexo encontram-se os quadros (vide figuras) com as siglas utilizadas para os medicamentos e dose de cada medicamento a ser prescrito de acordo com o peso de cada paciente.

1. Esquema básico
Quadro 1 - Esquema básico para tratamento da TB em adultos e adolescentes (acima de 10 anos de idade).
2 R H Z E /4 R H

Quadro 2 - Esquema básico para tratamento da TB meningoencefálica e osteoarticular em adultos e adolescentes (acima de 10 anos de idade).
2 R H Z E / 10 R H

2. Hepatopatias
Quadro 3 - Esquema para tratamento de adultos com tuberculose em associação com hepatopatias.

3. Nefropatias
Esquema para tratamento de adultos com tuberculose em associação com nefropatia (clearance de creatinina menor que 30ml/min).
Em uso de Esquema básico: RHZE (2ª, 4ª e 6ª) e RH (3ª, 5ª, Sábado e Domingo) durante 2 meses da fase intensiva, seguidos de RH diariamente durante 4 meses da fase de manutenção. Considerar o peso para avaliar a quantidade de comprimidos.

Quadro 4 - Ajuste de dose por medicamento

4. Gestação
O esquema básico pode ser utilizado nas doses habituais para gestantes e, dado o risco de toxicidade neurológica ao feto atribuído a isoniazida, se recomenda o uso de piridoxina 40mg/dia.
Não há contraindicações a amamentação, desde que a mãe não seja portadora de mastite tuberculosa. É recomendável o uso de máscara cirúrgica ao amamentar e ao cuidar da criança, enquanto a baciloscopia do escarro se mantiver positiva.

5. Diabetes
Como a rifampicina é um potente indutor do complexo enzimático P450, pode acelerar o metabolismo dos hipoglicemiantes orais. Desta forma, deve-se atentar para o controle glicêmico, e caso este não seja atingido, considerar insulinoterapia.

6. Esquemas especiais e para TB resistente
6.1 Alergia, intolerância ou toxicidade

Quadro 5 – Esquemas especiais para substituição dos medicamentos do esquema básico por intolerância, alergia ou toxicidade.

6.2 Tratamento de adultos com tuberculose droga-resistente.
6.2.1 Monorresistência à isoniazida.

Quadro 6 - Monorresistência à Isoniazida

6.2.2 Monorresistência à Rifampicina detectada por TB-TRM.
Mais de 80% dos casos identificados com resistência à Rifampicina pelo TB –TRM apresentam também resistência à Isoniazida, por isso recomenda-se iniciar o esquema de tratamento para TB multidrogaresistente nessas situações.
8 Cm3 Lfx Trz E Z/ 10 Lfx Trz E

6.2.2.1 Monorresistência à Rifampicina detectada por Teste de Sensibilidade (TS), TB resistente a rifampicina (RR).
Casos novos, sem história prévia de uso de rifampicina ou uso <30 dias:
2 Cm5 H Lfx E Z/ 10 H Lfx E Z

Casos de retratamento:
TB MDR + H (dose padrão de H)

6.2.2.2 Polirresistências.

Quadro 7. Esquemas de tratamento para polirresistência

6.2.3 TB MDR: Resistência a pelo menos rifampicina e isoniazida.
Resistência à Rifampicina e Isoniazida:
8 Cm3 Lfx Trz E Z/ 10 Lfx Trz E

Resistência à Rifampicina + Isoniazida + Etambutol +/- Pirazinamida:
8 Cm3 Lfx Trz Et Z/ 10 Lfx Trz Et

6.2.4 TB XDR: Resistência à rifampicina e isoniazida, acrescida de resistência a fluorquinolonas (qualquer delas) e aos injetáveis de segunda linha.
8 Am3 Mfx Lzd Cfz PAS H/ 10 Mfx Lzd Cfz PAS H

6.2.5 TB pré-XDR: Resistência à rifampicina e isoniazida, acrescida de resistência a fluorquinolonas (qualquer delas) ou aos injetáveis de segunda linha.
Neste caso o esquema deverá ser individualizado.

6.3. Recomendações para a elaboração dos esquemas terapêuticos

Quadro 8 - Classificação racional dos fármacos anti-TB

6.3.1. Quanto ao número de medicamentos:
- Incluir 3 a 4 medicamentos efetivos, de acordo com os critérios abaixo:
Nunca ter sido usado anteriormente pelo paciente
Sensibilidade demonstrada pelo Teste de Sensibilidade
Pelo menos dois fármacos essenciais (bactericida e esterilizante)
Um ou dois fármacos acompanhantes para proteger os essenciais

6.3.2. Quanto à seleção de medicamentos:
- Utilizar sempre que possível, a Pirazinamida (capacidade esterilizante, ótima ação em meio ácido).
- Quatro fármacos nunca usados ou efetivos:
Um do grupo A
Um do grupo B
Dois do Grupo C
Considerar Etambutol (Grupo D1)
Considerar os fármacos dos Grupos D2 e D3 quanto não houver quatro fármacos novos na composição do esquema
Considerar também a isoniazida em altas doses H (15-20mg/kg/dia)

6.3.3. Quanto à duração do tratamento:
- Fase Intensiva 6-8 meses, com pelo menos duas culturas negativas.
- Considerar estender fase intensiva, se não houver três fármacos efetivos na fase de manutenção, ou quando houver resistência à fluorquinolona.
- Fase de Manutenção até completar 18-24 meses, com pelo menos três culturas negativas.

* Carbapenêmicos e ácido clavulânico sempre devem ser usados em conjunto.

7. Tratamento da TB em pessoas vivendo com HIV (PVHIV)
O tratamento da TB em PVHIV segue as mesmas recomendações para os não infectados.
A rifabutina está recomendada em substituição a rifampicina, quando for necessário associar ou manter o inibidor de protease (IP) ou dolutegravir no esquema antirretroviral.

Quadro 9 – Esquema com rifabutina para tratamento da tuberculose em adultos e adolescentes (acima de 10 anos).

7.1. Momento ideal para iniciar TARV em pacientes com TB

Quadro 10 – Recomendações sobre o momento de início da TARV após diagnóstico de tuberculose

7.2. Escolha dos antirretrovirais em pacientes com tuberculose ativa
Recomenda-se a realização de genotipagem do HIV pré-tratamento nos pacientes com coinfecção TB-HIV virgens de tratamento com ARV.

Quadro 11 – Esquemas de TARV inicial preferencial para pacientes coinfectados TB-HIV

Quadro 12 - Opções de esquema de ARV para pacientes com TB – HIV em tratamento para TB

8. Seguimento do tratamento

Quadro 13 – Consultas clínicas e exames e seguimento durante o tratamento da TB

Quadro 14. Consultas clínicas e exames de seguimento durante o tratamento da TBDR

No ambulatório de Tisiologia Especial (TES) do HCFMRP, o seguimento da TBDR é realizado por 5 anos após o final do tratamento, com consultas a cada 4 meses nos primeiros 2 anos e após, consultas a cada 6 meses.

Não possui.

Manual de Recomendações para o controle da Tuberculose no Brasil, 2018.

A15.0-Tuberculose pulmonar, com confirmação por exame microscópio da expectoração, com ou sem cultur

Tabela 1: Anexo 1 - Tabela Posológica dos medicamentos para adultos e adolescentes (> 10 anos idade)


Anexo 1 - Tabela Posológica dos medicamentos para adultos e adolescentes (> 10 anos idade)

Tabela 2: Anexo 2 - Tabela Posológica dos medicamentos injetáveis para adultos e adolescentes (> 10 anos idade)


Anexo 2 - Tabela Posológica dos medicamentos injetáveis para adultos e adolescentes (> 10 anos idade)

Tabela 3: Anexo 3 - Tabela de Siglas


Anexo 3 - Tabela de Siglas

Figura 1: Quadro 1 - Esquema básico para tratamento da TB em adultos e adolescentes (acima de 10 anos de idade).


Quadro 1 - Esquema básico para tratamento da TB em adultos e adolescentes (acima de 10 anos de idade).

Figura 2: Quadro 2 - Esquema básico para tratamento da TB meningoencefálica e osteoarticular em adultos e adolescentes (acima de 10 anos de idade).


Quadro 2 - Esquema básico para tratamento da TB meningoencefálica e osteoarticular em adultos e adolescentes (acima de 10 anos de idade).

Figura 3: Quadro 4 - Ajuste de dose por medicamento


Quadro 4 - Ajuste de dose por medicamento

Figura 4: Quadro 5 – Esquemas especiais para substituição dos medicamentos do esquema básico por intolerância, alergia ou toxicidade.


Quadro 5 – Esquemas especiais para substituição dos medicamentos do esquema básico por intolerância, alergia ou toxicidade.

Figura 5: Quadro 6 - Monorresistência à Isoniazida


Quadro 6 - Monorresistência à Isoniazida

Figura 6: Quadro 7 - Esquemas de tratamento para polirresistência


Quadro 7 - Esquemas de tratamento para polirresistência

Figura 7: Quadro 8 - Classificação racional dos fármacos anti-TB


Quadro 8 - Classificação racional dos fármacos anti-TB

Figura 8: Quadro 9 – Esquema com rifabutina para tratamento da tuberculose em adultos e adolescentes (acima de 10 anos)


Quadro 9 – Esquema com rifabutina para tratamento da tuberculose em adultos e adolescentes (acima de 10 anos)

Figura 9: Quadro 10 – Recomendações sobre o momento de início da TARV após diagnóstico de tuberculose


Quadro 10 – Recomendações sobre o momento de início da TARV após diagnóstico de tuberculose

Figura 10: Quadro 11 – Esquemas de TARV inicial preferencial para pacientes coinfectados TB-HIV


Quadro 11 – Esquemas de TARV inicial preferencial para pacientes coinfectados TB-HIV

Figura 11: Quadro 12 - Opções de esquema de ARV para pacientes com TB – HIV em tratamento para TB


Quadro 12 - Opções de esquema de ARV para pacientes com TB – HIV em tratamento para TB

Figura 12: Quadro 13 – Consultas clínicas e exames e seguimento durante o tratamento da TB


Quadro 13 – Consultas clínicas e exames e seguimento durante o tratamento da TB

Figura 13: Quadro 14 - Consultas clínicas e exames de seguimento durante o tratamento da TBDR


Quadro 14 - Consultas clínicas e exames de seguimento durante o tratamento da TBDR

Figura 14: Quadro 3 - Esquema para tratamento de adultos com tuberculose em associação com hepatopatias.


Quadro 3 - Esquema para tratamento de adultos com tuberculose em associação com hepatopatias.

Fluxograma 1: Figura 1 - Fluxograma para diagnóstico de tuberculose pulmonar e laríngea


Figura 1 -  Fluxograma para diagnóstico de tuberculose pulmonar e laríngea

Fluxograma 2: Figura 2 - Interpretação do TB-TRM (cartucho gene Xpert ULTRA)


Figura 2 - Interpretação do TB-TRM (cartucho gene Xpert ULTRA)