Emergências Clínicas - Doença Falciforme: Acidente Vascular Cerebral Isquêmico

Área: Unidade de Emergência / Subárea: Clínica Médica

Flávia Leite Souza Santos. Médica Assistente da Divisão de Hematologia e Hemoterapia do Departamento de Clínica Médica da FMRP/USP
Ana Cristina Silva Pinto.Médica Assistente da Divisão de Hematologia e Hemoterapia do Departamento de Clínica Médica da FMRP/USP
Fabíola Traina.Docente da Divisão de Hematologia e Hemoterapia do Departamento de Clínica Médica da FMRP/USP

Data da última alteração: terça, 06 de dezembro de 2022
Data de validade da versão: sexta, 06 de dezembro de 2024

O acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi) é uma das mais graves da doença falciforme, ocorre em 6-12 % dos pacientes e corresponde a 75% dos AVCs em pacientes com doença falciforme. Em crianças abaixo de 10 anos, a principal causa do AVC é o infarto cerebral, com alto índice de recorrência nos primeiros 2 anos após o evento. É observada hipertrofia da íntima dos vasos e redução do lúmen das artérias, favorecendo fenômenos isquêmicos. Todos os casos de AVC em crianças devem ser considerados como secundários aos fenômenos vaso-oclusivos. A incidência de AVCi em adultos com DF é crescente e a fisiopatologia nesses pacientes pode ser decorrente tanto de fenômenos vaso-oclusivos, como também de causas não relacionadas à DF. Os achados clínicos são os mesmos achados do AVCi em pacientes sem doença falciforme : alterações de consciência, deficits neurológicos focais, convulsões, paresias, afasia e confusão mental .
São considerados fatores de risco para AVCi :
- Hipoxemia : secundária à queda aguda da Hb ou à baixa SatO2.
- Presença de vasculopatia cerebral
- Infecção aguda febril
- Fatores de risco cardiovasculares
- AVCi prévio
- Elevação rápida do nível de Hb decorrentes de transfusão ou liberação de hemácias autólogas no sequestro esplênico/hepático.

O diagnóstico é baseado na anamnese e exame físico, incluindo avaliação neurológica completa. Deve ser realizada avaliação imediata com exame de imagem (tomografia computadorizada ou ressonância magnética de encéfalo ) para avaliar isquemia e excluir sangramento.

- Tomografia de crânio ou RNM de encéfalo
-Hemograma completo com contagem de reticulócitos para programação da transfusão
- Eletroforese de hemoglobina para avaliar porcentagem inicial de HbS ( deve ser repetida após início do tratamento). O início do tratamento não deve aguardar o resultado da HbS inicial , o seu valor é utilizado para monitorar a eficácia do tratamento.
- Uréia, creatinina, sódio e potássio.
- Amostra para testes pré-transfusionais

O paciente deve ser estabilizado e monitorizado.
A base do tratamento é a transfusão de concentrado de hemácias com o objetivo de reduzir a HbS a níveis inferiores a 30% e manter Hb 10g/dl. O tratamento deve ser iniciado imediatamente após o diagnóstico. A transfusão de troca manual ou automatizada na fase aguda é o procedimento de escolha, especialmente para pacientes com nível de Hb maior que 10g/dl. Transfusões simples podem ser administradas em pacientes com níveis mais baixos de Hb com o objetivo de se restaurar a oxigenação cerebral e prevenir danos cerebrais adicionais, mas devem ser seguidas por transfusões de troca assim que possível, de modo a reduzir a HbS para níveis < 30%.
Idealmente, os pacientes com anemia falciforme e AVC devem ser transferidos imediatamente para o HCRP para que sejam submetidos à transfusão de troca de forma efetiva para atingirem HbS<30%. A definição da velocidade de troca e tipo de procedimento manual/automatizado vai depender do fenótipo do paciente, aloimunização prévia , disponibilidade de leito, acesso venoso, idade do paciente, e deverão ser definidos pela equipe da hematologia.

Profilaxia secundária : Após a alta hospitalar o paciente deve ser encaminhado para o ambulatório de transfusão do Hemocentro de Ribeirão Preto onde deve entrar em esquema transfusional crônico como profilaxia secundária de novos episódios.

1- DeBaun MR, FJ Kirkham. Central nervous system complications and management in sickle cell disease, BLOOD 2016; 127 (7):829-838