Medicamentos
A cetamina, um antagonista do receptor NMDA, é uma droga eficaz para sedação, analgesia e amnésia e tem sido amplamente utilizada como alternativa ao uso de agentes inalatórios para reduzir a incidência de agitação do sevoflurano e com a vantagem de não causar depressão respiratória. A dexmedetomidina, um agonista alfa-2 altamente específico, também apresenta efeitos sedativos, analgésicos e ansiolíticos, sem depressão respiratória significativa em doses clínicas.
A dexmedetomidina recebeu aprovação inicial da Food & Drug Administration (FDA) nos Estados Unidos em 1999, para a sedação de adultos durante a ventilação mecânica e, posteriormente, em 2009, para anestesia assistida (MAC) monitorada em adultos. Apesar de não ter uma indicação específica aprovada pelo FDA em bebês e crianças, ela tem sido usada com sucesso em vários cenários clínicos incluindo sedação durante ventilação mecânica, sedação de procedimento, suplementação de analgesia pós-operatória, prevenção de delírio, controle de tremores pós-anestésicos e tratamento da retirada de várias substâncias, incluindo opioides e benzodiazepínicos.
A combinação de dexmedetomidina com dextrocetamina pode ser usada para fornecer o nível ideal de sedação e analgesia com efeitos limitados sobre a função respiratória e cardiovascular. Essa mistura, também conhecida como KETODEX, equilibra os efeitos simpatolíticos da dexmedetomidina, enquanto atenua concomitantemente os efeitos indesejáveis causados pela cetamina no sistema nervoso central.
A cetamina inibe a bradicardia e a hipotensão esperadas com o uso da dexmedetomidina, enquanto a última inibe a sialorreia e os efeitos alucinatórios da cetamina, com a vantagem de não levar a depressão respiratória e hiperreatividade brônquica.
Preparo do Paciente
Para procedimentos não dolorosos, os objetivos da estratégia de sedação são a redução da ansiedade e o controle motor. Para os dolorosos ou invasivos, os objetivos são além dos já citados, conforto, analgesia e amnésia. Para atingir estes objetivos, algumas etapas devem ser obrigatoriamente cumpridas, conforme se segue.
Pessoal e equipamento
Idealmente, deve haver um médico para realizar o procedimento, e outro médico para realizar a sedação e monitorar o paciente. Pelo menos um desses profissionais deve ter treinamento em atendimento a urgências e emergências pediátricas, incluindo manejo avançado de vias aéreas.
Tenha disponível material de urgência apropriado para a idade e o peso do paciente, bem como um carrinho de urgência equipado com desfibrilador-cardioversor elétrico e medicamentos de urgência. O equipamento deve incluir, obrigatoriamente, balão auto-inflável com válvula (ambu), máscaras faciais para ventilação, e material para aspiração da via aérea. O local em que a sedação será realizada deve contar com fonte de oxigênio e de vácuo, ou aspirador portátil.
Se a via de administração do sedativo escolhida for a intranasal ou intramuscular, deve haver material para punção venosa disponível facilmente.
Jejum
Para procedimentos eletivos o tempo de jejum deve ser seguido de acordo com o guideline recomendado pela Sociedade Americana de Anestesiologia e Academia Americana de Pediatria como na Tabela 1. Em situações de emergência a sedação não deve ser adiada por causa da preocupação com a broncoaspiração.
Obtenha o consentimento livre e esclarecido, por escrito, dos pais ou responsáveis legais nos procedimentos eletivos.
Tabela 1. Duração do jejum prévio a um procedimento eletivo em paciente hígido de acordo com a American Academy of Pediatrics (APA).
Monitorização
Durante o procedimento, o paciente deverá ser monitorado com, no mínimo, oximetria de pulso e pressão arterial, mas idealmente também com monitor cardíaco e CO2 exalado. A profundidade, ou nível, da sedação, pode ser facilmente avaliada por meio da escala Pediatric Sedation State Scale (PSSS) (Tabela 2).
Tabela 2. Escala de Sedação para Crianças: PSSS (Pediatric Sedation State Scale)
Preparo do paciente e da família
Estratégias não farmacológicas e sacarose oral podem ser usados para redução da ansiedade do paciente antes do início do procedimento e da sedação propriamente dita. As intervenções não farmacológicas incluem, em neonatos e lactentes: amamentação e leite humano, contato pele a pele, sucção não nutritiva, toque facilitador, e enrolamento; e, em crianças: distração, e relaxamento.
Protocolo de sedação farmacológica
O objetivo é obter uma sedação mínima (anteriormente conhecida como ansiólise) ou moderada (anteriormente conhecida como sedação consciente), que é um estado em que o paciente pode adormecer (moderada) ou não (mínima), mas que responde a estímulos verbais e mantém a via aérea patente com ventilação espontânea.
Para procedimentos rápidos (até 15 minutos: radiografia simples, tomografia computadorizada), doses individuais de drogas sedativas (em bolus) podem ser usadas. Para procedimentos demorados (mais de 15 minutos: ressonância magnética, ecocardiografia, ultrassonografia), a infusão contínua ou doses intermitentes é preferível. As drogas recomendadas neste protocolo são: dextrocetamina e dexmedetomidina (ketodex), podendo ser utilizadas por via endovenosa (EV), intramuscular (IM) ou intranasal (IN). Maiores informações sobre dexmedetomidina e dextrocetamina podem ser encontradas a seguir:
Dexmedetomidina
Frasco 100 mcg/mL
Propriedades. Efeito sedativo, analgésico e ansiolítico. Não causa depressão respiratória significativa. Útil nos casos de síndrome de abstinência por opioide e/ou benzodiazepínicos. Alternativa para pacientes tolerantes a opiode ou com dificuldade de sedação (p.ex., síndrome de Down). Comparada à clonidina, possui maior especificidade para receptores 2 que 1-adrenérgicos e meia-vida mais curta (2–3 h vs. 8–12 h).
Doses. EV contínuo: 0,2–2 mcg/kg/h. Início de ação: 30 min.
Metabolismo. Metabolismo hepático com excreção renal.
Efeitos colaterais. Tonturas, enjoo, boca seca, desmaios e constipação. Hipotensão arterial e bradicardia, devido à redução do tônus simpático e ao aumento do tônus vagal. Efeito rebote (hipertensão arterial, taquicardia e agitação), se suspensão abrupta após uso prolongado (> 5 dias).
Dextrocetamina
Ampola 100mg / 2 mL
Propriedades. Sedação, analgesia e amnésia. Broncodilatador. Droga de escolha para intubação e sedação de pacientes asmáticos. Efeito limitado na mecânica respiratória. Preserva estabilidade cardiovascular. Alternativa na depressão miocárdica por benzodiazepínicos ou opiodes. Uso associado a benzodiazepínicos em procedimentos invasivos (causa menos depressão respiratória).
Doses. EV: 0,5–2 mg/kg em bolus (em 1 min.). Pico de ação: 1 min. Duração: 10–15 min. EV contínuo: 0,5–2 mg/kg/h. IM: 2–6 mg/kg. Retal: 6–10 mg/kg Pico de ação retal e IM: 5–20 min. VO: 6–10 mg/kg. Intranasal: 6 mg/kg.
Metabolismo. Eliminação hepática.
Efeitos colaterais. Bradicardia, hipotensão arterial, depressão respiratória, ataxia, confusão, depressão, incontinência urinária, erupção cutânea, trombose venosa, flebite local, boca seca.
Protocolo para procedimentos não invasivos, não dolorosos (exames)
• Crianças de 0 a 7 anos
o Sem acesso venoso: aplicar Ketodex IN ou IM conforme protocolo e puncionar veia somente se necessário.
o Com acesso venoso: aplicar Ketodex EV conforme protocolo para crianças de 0 a 7 anos.
• Crianças de 7 anos ou mais
o Em geral não é necessária sedação para procedimentos não dolorosos.
Protocolo para procedimentos invasivos, potencialmente dolorosos (punções, biópsias, curativos, endoscopias)
• Crianças de 0 a 7 anos
o Sem acesso venoso: aplicar Ketodex IN ou IM conforme protocolo, depois puncionar veia, continuar com a sedação EV conforme protocolo, e fazer anestesia local ou locorregional.
o Com acesso venoso: aplicar Ketodex EV conforme protocolo para crianças de 0 a 7 anos e fazer anestesia local ou locorregional.
• Crianças de 7 anos ou mais
o Puncionar acesso venoso, aplicar Ketodex EV conforme protocolo para crianças de 7 anos ou mais e fazer anestesia local ou locorregional.
Protocolo e doses para Ketodex:
• Intranasal:
o Dose: 2 µg/kg dexmedetomidina + 1 mg/kg de dextrocetamina, na mesma seringa.
o Preparo: Aspirar as medicações na seringa de insulina: 2 UI de dexmedetomidina = 2 µg; 2 UI de dextrocetamina = 1 mg aspirar 2 UI/kg dos dois medicamentos.
o Colocar a solução numa seringa de 3 mL, utilizar atomizador apropriado para aplicação intranasal.
o Latência ou início de ação: 15 min.
o Efeito desejado: Estado 2 na escala PSSS.
o Se efeito não alcançado: repetir metade da dose.
• Intramuscular:
o Utilizar na impossibilidade das vias IN e EV.
o Dose: 1 µg/kg dexmedetomidina + 1mg/kg de dextrocetamina, na mesma seringa.
o Preparo: Aspirar as medicações na mesma seringa de insulina: 1 UI de dexmedetomidina = 1 µg; 2 UI de dextrocetamina = 1 mg aspirar 1 UI/kg de dexmedetomidina + 2 UI/kg de dextrocetamina.
o Colocar a solução numa seringa de 3 mL, utilizar agulha de insulina e aplicar em músculo vasto lateral em menores de 2 anos e deltoide em maiores de 2 anos.
o Latência ou início de ação: 3 a 5 min.
o Efeito desejado: Estado 2 na escala PSSS.
o Se efeito não alcançado: repetir metade da dose.
• Endovenoso para crianças de 0 a 7 anos:
o Utilizar quando já houver um acesso venoso.
o Dose: 1 µg/kg dexmedetomidina + 1 mg/kg de dextrocetamina, na mesma seringa.
o Preparo: Aspirar as medicações na seringa de insulina: 1 UI de dexmedetomidina = 1 µg; 2 UI de dextrocetamina = 1 mg aspirar 1 UI/kg de dexmedetomidina e 2UI/Kg de dextrocetamina.
o Colocar a solução numa seringa de 10 mL e diluir para 10 mL.
o Administrar em bolus lento (1 mL a cada 10 segundos), até obter estado 2 na escala PSSS.
o Latência ou início de ação: 10 segundos.
o Repetir dose titulável se necessário.
• Endovenoso para crianças de 7 anos ou mais:
o Diluição: 5 µg/kg dexmedetomidina + 5 mg/kg de dextrocetamina por mL, na mesma seringa.
o Administrar em bolus lento (1 mL a cada 5 segundos), até obter estado 2 na escala PSSS.
o Latência ou início de ação: 10 segundos.
o Repetir dose titulável se necessário.
Efeitos Adversos
Depressão respiratória, dessaturação, queda de base de língua ou outros eventos respiratórios são raros com o uso desta associação, mas normalmente carecem de intervenção.
Efeitos hemodinâmicos mais comuns, porém, sem maiores repercussões, são: discreta diminuição da frequência cardíaca e discreta elevação da pressão arterial nos primeiros minutos. Normalmente as medidas retornam aos valores basais, sem necessidade de intervenção.
Episódios de agitação e alucinação são raros com a associação de dexmedetomidina e dextrocetamina. Em casos de agitação importante, utilizar dexmedetomidina 1 µg/kg intranasal, intramuscular ou endovenosa em bolus. Em caso de refratariedade ou se acesso venoso prévio, utilizar midazolam ou propofol via endovenosa em doses tituladas.
Secreção nasal em excesso pode diminuir absorção e resultar em falha da sedação.
A sedação com ketodex pode resultar em retardo do despertar em alguns casos, comparado com a sedação convencional.
Recuperação
Depois de finalizado o procedimento, o paciente deverá permanecer em observação com monitorização cuidadosa até que recupere totalmente a consciência e possa ser liberado.
Os critérios de alta do paciente que foi sedado são:
• Retorno das vias aéreas, dos sinais vitais e da oximetria de pulso à linha de base
• O paciente pode falar ou segue comandos apropriados à idade;
• O paciente está hidratado e tolera líquidos orais;
• O paciente pode ser despertado e tem reflexos da via aérea;
• O paciente é capaz de sentar-se sem ajuda (de acordo com a idade).