6. COVID-19: Doença falciforme e infecção por SARS-CoV-2

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Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto

Data da última alteração: terça, 06 de dezembro de 2022
Data de validade da versão: sexta, 06 de dezembro de 2024

Introdução:

A anemia falciforme (AF) é uma doença hereditária autossômica recessiva caracterizada pela produção de uma hemoglobina anormal, denominada hemoglobina S (HbS) (MAIER-REDELSPERGER et al., 1998).

Em leito venoso, ocorre a desoxigenação das moléculas de HbS e falcização de um grande número de hemácias, fenômeno magnificado em situações de estresse, como cirurgia e infecção. As hemácias falcizadas aderem ao endotélio vascular, podendo causar oclusão do vaso e, consequentemente, isquemia tecidual, que se traduz como crises dolorosas, que caracterizam o quadro clínico dessa doença, lesão e insuficiência funcional de órgãos (MAIER-REDELSPERGER et al., 1998). Outro aspecto básico da AF é a anemia hemolítica crônica (AHC), que decorre em grande parte da alteração de forma das hemácias. Essas duas características, anemia hemolítica e crises de dor, constituem a “marca registrada” da DF e favorecem ou determinam a ocorrência de complicações agudas e crônicas e comprometem tanto a sobrevida, quanto a qualidade de vida dos pacientes portadores de AF (DAVIES & GILMORE, 2003; FERSTER et al., 2001).

Uma das complicações agudas mais importantes da doença falciforme, e também a principal causa de óbito desses pacientes, é a síndrome torácica aguda (STA). Essa complicação se caracteriza por dispneia, dor torácica, febre, opacidade pulmonar à radiografia simples de tórax, hipóxia, leucocitose, entre outros menos comuns.

Os fatores etiológicos mais frequentemente associados à STA são:
● Infecções virais (H1N1, SARS-CoV-2, vírus sincicial respiratório)
● Infecção por germes atípicos (Mycoplasma, Chlamydia e Legionella), e germes encapsulados
● Embolia gordurosa (necrose da medula óssea)
● Tromboembolismo
● Hipoventilação (dor em arcos costais e uso de narcóticos)

Quadro clínico

Em geral, 80% dos pacientes têm febre, 60% tosse, 45% dor torácica e taquipneia. Mais da metade queixa-se de dor óssea e 1/3 de dor abdominal ao diagnóstico. A radiografia de tórax geralmente mostra velamento principalmente em lobos inferiores, mas, em crianças, não é raro acometimento isolado de lobos médio ou superior. A STA pode ocorrer durante a evolução em pacientes com doença falciforme internados por outros motivos, como a crise vaso-oclusiva e no período pós-operatório. A mortalidade em adultos é maior.

Exames ao diagnóstico e seguimento:

- Gasometria arterial (diminuição da pO2 e da saturação de O2) e monitorização com oximetria de pulso
- Radiografia de tórax (velamento alveolar) e tomografia de tórax (suspeita covid19)
- Hemocultura e cultura de escarro,
- Hemograma completo
- Bioquímica
- LDH (na admissão e semanal)
- PCR (na admissão)
- Quantificação de dímeros D (na admissão)

Acredita-se que a infecção pelo vírus SARS-CoV-2 possa desencadear a STA, o que deve tornar mais grave o quadro de insuficiência respiratória. Por isso, recomendamos que, assim que for feito a suspeita de covid-19 em paciente falciforme, a equipe da Hematologia seja avisada e o protocolo de tratamento de falciforme com STA/covid-19 seja iniciado.

Tratamento STA/covid19:
-Protocolo HC para tratamento da covid19: a decisão de iniciar o protocolo específico para tratamento da covi19 será da equipe destinada para tratamento dessa doença no HC. Recomendamos, porém, que o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina nesses pacientes seja feito com muita cautela, visto que esses medicamentos podem ser hepatotóxicos e os pacientes falciformes podem ter hepatopatia de base.
-Hidratação deve ser realizada com cautela para evitar congestão pulmonar
-Analgesia (opióides: evitar uso da meperidina; dar preferência pela morfina ou fentanil);
-Suplementação de oxigênio se desconforto respiratório e hipoxemia na gasometria arterial (sat O2<92%);
-Broncodilatadores em pacientes com broncoespasmo;
-Antibioticoterapia: associação de cefalosporina de terceira geração (ex.: ceftriaxona) com macrolídeo (ex.: azitromicina, claritromicina) nos casos mais graves.
-Transfusão: Transfusão simples de hemácias, com o objetivo de elevar a hemoglobina para níveis próximos de 10 g/dL e deste modo melhorar a oxigenação, deve ser indicada para todos os pacientes com suspeita de covid-19 e insuficiência respiratória. Caso o paciente não melhore do quadro respiratório em 24 horas, entrar em contato com a equipe da Hematologia para discutir a necessidade de instituir a transfusão de troca. Recomendamos não ultrapassar Hb de 11 g/dL pós-transfusão, devido aos riscos de hiperviscosidade nos pacientes falciformes.
- Transfusão de plasma de convalescente: todo paciente falciforme covid19+ com insuficiência respiratória deve receber uma dose terapêutica de plasma de convalescente (10 ml/kg se peso inferior a 40 kg, 1 unidade terá 600 ml) por dia, por 3 dias.

Favor entrar em contato com a equipe de Hematologia caso interne um paciente falciforme com suspeita de covid19 nos telefones abaixo:
16-99222-7151 (Dra Ana Cristina)
bip hemato: 7103